Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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O marinismo é verde ou azul?

De 1985 a 2017, o país perdeu 710 mil km2 de matas, mas ninguém quer ver

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A Rede, partido de Marina Silva, parece levar ao pé da letra o desejo enunciado por seu candidato a vice-presidente, Eduardo Jorge (PV): “A gente não quer ser uma seita verde”. Talvez seja azul, alguns diriam que de um matiz atucanado.

Nas diretrizes da campanha marinista, documento de 61 páginas divulgado terça-feira (14), a palavra “ambiente” aparece 15 vezes. Nas cinco primeiras, integrando a expressão “ambiente de negócios”.

Após duas ocorrências em “ambiente de segurança jurídica”, só na oitava menção se fala de “meio ambiente”, isso já adentrando o terço final do texto. A locução verde aparece mais duas vezes.

A candidata a Presidência Marina Silva (Rede) em seu primeiro dia de campanha
A candidata a Presidência Marina Silva (Rede) em seu primeiro dia de campanha - Diego Padgurschi/Folhapress

No GPS eleitoral criado pela Folha, que analisa o conteúdo de discursos e outras manifestações dos candidatos, o assunto surge na quinta colocação entre os temas priorizados por Marina. Depois de educação, agradecimentos, agricultura familiar e desenvolvimento urbano, e mesmo assim num contexto bem particular, a redução de desmatamento.

Faz sentido, pois a senadora, quando ministra do Meio Ambiente do governo Lula, iniciou as políticas que redundariam em dramática diminuição da perda de florestas amazônicas.

Suas diretrizes também incluem uma meta ousada, alcançar desmatamento zero até 2030 (oficialmente, o Brasil só se compromete a eliminar o desmate ilegal antes daquele ano). Mas até esse objetivo correu risco de não figurar no programa marinista.

Para uma agremiação que se chama Rede Sustentabilidade, e aliada ao Partido Verde, era de esperar que os tema de economia limpa, energias alternativas e desenvolvimento sustentável comparecessem não só com mais destaque, mas como fio condutor da plataforma —a enigmática “transversalidade” de que falava então a ministra petista.

Pelo visto, e pelo lido, há temor de que esse palavreado traga prejuízo eleitoral. A perigosa imagem de seita verde que o vice quer exorcizar.

Não deixa de ser uma forma de se render ao paradigma azul que subjuga o debate público. Só as contas no vermelho, e o perigo vermelho nas urnas, importam. O restante —o futuro?— pouco interessa.

Pois vamos ao passado. Os dados sobre uso do território brasileiro apresentados sexta-feira (17) pelo projeto MapBiomas (www.mapbiomas.org) mostra o que fizemos com o meio ambiente desde a redemocratização. Não é um retrato bonito, para dizer o menos.

De 1985 a 2017, o país perdeu 710 mil km2 de vegetação natural em seus seis biomas (Amazônia, caatinga, cerrado, mata atlântica, pampa e Pantanal). Some as áreas dos estados de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Espírito Santo para formar uma ideia, no mapa, de quanto isso representa.
Note bem, foram apenas três décadas para tanta destruição.

A paisagem que mais sofreu foi o cerrado, a rica savana brasileira, que perdeu 18% de mata original. Não por acaso se deu aí a expansão da fronteira agrícola, cuja área triplicou no período, segundo o levantamento do MapBiomas.

O pampa perdeu 15%; o Pantanal, 8%; a caatinga, 7%. Boa notícia só na devastada mata atlântica, que, apesar de encolher 50 mil km2 , viu a regeneração superar a derrubada da floresta na última década.
Queimou-se, literalmente, boa parte do capital natural do país. Chamam isso de desenvolvimento?

Evidente que equilíbrio fiscal, combate à corrupção, reforma tributária, ambiente de negócios etc. são condições necessárias para retomar o desenvolvimento no Brasil. Necessárias, mas não suficientes para sustentá-lo além do horizonte de quatro ou oito anos.

O que será do verde se todos só enxergarem o azul?
 

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