Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Formigas-zumbis rondam a Amazônia

Fungos parasitam insetos, manipulam seu comportamento e morrem em busca de luz

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Flanando entre os pôsteres do 9º Congresso de Micologia em Manaus, no final de junho, topei com um curioso estudo de Fernando Andriolli, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Formigas-zumbis? Irresistíveis.
 
Nunca tinha ouvido falar, mas dizem que circulam vídeos e reportagens às pencas por aí. Ponto a menos para o jornalista de ciência mal informado. Nem por isso há que resistir à tentação de divulgar.
 
Tamanha esquisitice na natureza parece coisa do Gênio Maligno de René Descartes (1596-1650). O fungo Ophiocordyceps camponoti-atricipis vive e prolifera à custa do corpo da formiga Camponotus atriceps.

O fungo perfura o esqueleto externo da formiga e cresce dentro do inseto
O fungo perfura o esqueleto externo da formiga e cresce dentro do inseto - Reprodução Flickr - Penn State

Parasita como poucos, em matéria de malignidade. Talvez encontre similares só em distintos gabinetes de Brasília.
 
O esporo do fungo que cai sobre o inseto azarado tem a manha de perfurar seu esqueleto externo e passa a crescer dentro da formiga. Nesse processo, consegue alterar o comportamento do bicho, embora ninguém saiba como.
 
A C. atriceps infectada passa a negligenciar suas obrigações no formigueiro e fica andando por aí, trêmula. Por isso, e por trair a programação de sobrevivência de sua própria espécie, ganhou o apelido de formiga-zumbi.
 
Como o fungo se alimenta das entranhas do inseto, este acaba morrendo. Antes disso, obedece a derradeira ordem de seu algoz: sobe numa planta, fecha e trava as mandíbulas numa folha e assim fica, imóvel e já sem vida.
 
Em seguida, o corpo de frutificação do fungo –um diminuto cogumelo– brota do corpo do inseto. De seu chapéu caem então novos esporos, que com sorte (para o fungo, claro) cairão sobre outra formiga, reiniciando o ciclo. Por isso é importante que ela suba em algo antes de morrer.
 
A novidade relatada por ​Andriolli no pôster foi mostrar que a escolha da formiga pelo lugar de morrer parece ter a ver também com a luminosidade do local, e não só com temperatura e umidade. A luz seria fundamental para a proliferação do fundo parasita.
 
Deu um trabalhão chegar a isso. Dez parcelas de terreno, chamadas de cemitérios, foram monitoradas, e as formigas mortas, devidamente contadas. Mediu-se também a luminosidade em cada parcela, compondo pares de área luminosa com outra mais sombreada.
 
Ao todo o pesquisador encontrou 162 cadáveres de formigas com mandíbulas travadas, das quais 109 estavam onde havia mais luz e 53 nas mais escuras. Um total de 56 desenvolveram os corpos de frutificação, 41 (73%) nos cemitérios mais claros e só 15 (27%) na sombra.
 
Não pude evitar pensar que a malvadeza do O. camponoti-atricipis tem paralelos com o que acontece no Ministério do Meio Ambiente (MMA) e noutras repartições e escalões do governo Jair Bolsonaro. Por exemplo, no ataque concertado contra o Fundo Amazônia.
 
Um fungo ideológico penetrou na cabeça desse povo, que circula freneticamente pela capital e deixa o formigueiro ministerial em petição de miséria. Que outra razão haverá para a missão suicida de abrir mão dos bilhões aportados por Noruega e Alemanha ao fundo?
 
Tudo indica que seu único objetivo é zanzar por Brasília adulando a rainha da Inglaterra, perdão, rainha do formigueiro, na esperança de, ao fim de quatro anos, do alto de um prédio de Oscar Niemeyer, lançar seus esporos e torcer por um novo ciclo de quatro anos devastadores.
 
Há uma diferença essencial com o Ophiocordyceps camponoti-atricipis, porém. Enquanto o fungo busca mais luz, os parasitas engravatados e fardados que vão destruir a floresta amazônica, a pretexto de salvá-la dos estrangeiros e ambientalistas, só vicejam na penumbra dos corredores palacianos.

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