Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Terras sem dono somam 1/6 do território brasileiro

Estudo observou sobreposição de registros de propriedades equivalente a mais de 40% da área do país

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Eis aqui um dado concreto para preocupar os militares obcecados com soberania nacional, que só têm olhos para buscar fantasmas entreguistas atrás de cada ONG: 1,4 milhão de quilômetros quadrados (km2) do Brasil são terra de ninguém.
 
Isso perfaz 17% do território de Pindorama, uma área superior à do Peru. O Estado brasileiro não tem controle algum sobre tal vastidão, porque nenhum de seus bancos de dados fornece registro sobre seu status de propriedade.

Área em meio ao Rio Negro
Área em meio ao rio Negro, na Amazônia, local que particularmente se tornou um paraíso para grileiros - Bruno Kelly/Divulgação


 
Nem à União elas pertencem, oficialmente. Não espanta que o país —em particular a Amazônia— tenha se tornado um paraíso para os grileiros, gente que aposta na confusão fundiária com o mesmo entusiasmo com que outros (se não os mesmos) espalham desinformação nas redes.
 
O instantâneo chocante da insegurança fundiária no país aparece em novo mapa elaborado para integrar o Atlas da Agropecuária Brasileira. Quatro universidades brasileiras (USP, Unicamp, UFPA e UFMG), um instituto federal (IFSP), dois suecos (KTH e SEI) e duas ONGs de pesquisa nacionais (Imaflora e Ipam) o apresentam em artigo no periódico Land Use Policy.
 
Sim, ONGs de pesquisa, e da melhor qualidade. Especialistas que se esmeram, em colaboração com a academia dentro e fora do país, para gerar informação que o governo deveria estar produzindo, se de fato estivesse preocupado em resolver o caos fundiário e não em manter apoio da banda podre do agronegócio.
 
Desta vez eles atualizaram as informações do Atlas compilando e comparando os registros de 17 bancos de dados oficiais, do Exército ao Incra, com os reunidos no Cadastro Ambiental Rural (CAR) instituído pelo Código Florestal reformado em 2012. Ao fazê-lo, revelaram um estado de completa confusão.
 
Não é só a ausência de designação de proprietários para 1/6 do país. Há uma ocorrência absurda de sobreposição entre áreas registradas nas várias categorias consideradas (fazendas, unidades de conservação, terras indígenas, áreas públicas etc.): 3,5 milhões de km2, o equivalente a mais de 40% da área do país.
 
Note que isso não significa que 2/5 do Brasil têm propriedade duvidosa e se encontram sujeitos a disputas e conflitos agrários. Um mesmo polígono pode estar registrado sob mais de duas categorias fundiárias.
 
Por exemplo, uma área pode aparecer no CAR com mais de um proprietário a reivindicá-la e, noutras bases de dados, como parque nacional, terra indígena etc.
 
Dá bem uma ideia, entretanto, do descontrole que comanda a posse da terra no Brasil, em particular no norte do país. Enquanto isso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (Novo), só pensa em torpedear o Fundo Amazônia e açambarcar a sucata.
 
Oficiais do governo Bolsonaro prezam por afirmar que já se deu terra demais para indígenas, que eles são os verdadeiros latifundiários e assim por diante. É mentira.
 
As terras indígenas ocupam 13% do território nacional e abrigam mais de meio milhão de pessoas. Os verdadeiros latifundiários são, bem... os latifundiários: 97 mil grandes proprietários controlam 21,5% das terras do país.
 
Militares que gostam de dar murros na mesa e de mandar europeus procurarem suas turmas ficarão desconfiados com a presença de suecos entre os coautores do estudo. Eles não conseguem conceber que estrangeiros queiram contribuir genuinamente com a ordem e o progresso, ambiental e fundiário, do Brasil.
 
Enquanto isso, o inimigo interno —grileiros e madeireiros ilegais, pecuaristas que lavam dinheiro com bois, garimpeiros que usurpam índios e pistoleiros que matam agricultores por dá cá aquela palha— deita e rola aproveitando o descaso do Estado com seu próprio território.
 

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