Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Carta ao imperador pelos peixes da Amazônia

Estudo pioneiro fixa em 2.716 as espécies de água doce na floresta ameaçada, das quais 1.696 só existem na bacia amazônica

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Excelentíssimo Messias 1º, genial guia dos povos digitais:

Sabedor de seu apreço pela pesca, pelo mando na base de decretos e pelo desprezo que dedica à vaidade que campeia no Congresso, venho dirigir-me a Sua Majestade para suplicar: emita um e-ucasse para salvar os peixes da Amazônia!

Faça isso, logo, seja por zap, insta, face, tuíte ou telegram. Antes que os celerados parlamentares –senador 01 à frente– destruam a débil proteção oferecida pela Código Florestal, que já ninguém respeita. Honre o verde de nossa bandeira!

O senhor talvez ignore, com tanta coisa a escapar da mente absorvida nos problemas urgentes da nação, dos radares de velocidade às tomadas de três pinos, que nossa floresta equatorial abriga a maior diversidade de peixes entre todas as bacias hidrográficas do planeta.

Isso já era sabido, mas não quantificado. Quando este escriba se pôs a pesquisar para o livro “Paisagens Naturais” (Editora Ática, 2007), encontrou estimativas as mais disparatadas. Algo entre 3.000 e 9.000 espécies de peixes viveriam nas caudalosas águas do Mar Dulce do espanhol Vicente Yañez Pinzón e seus tributários.

Pois entenda que a imprecisão revoltante foi agora reduzida a pó, ou melhor, são águas passadas, por obra de Fernando Dagosta, da Universidade Federal da Grande Dourados (MS). Em que pese estar lotado num antro de balbúrdia, esse soldado da ciência logrou fixar o número de espécies conhecidas de peixes na Amazônia: 2.716.

Foram sete anos de trabalho, que resultaram numa tese de doutorado defendida no Museu de Zoologia da USP. Dagosta e Mário de Pinna passaram malha fina em mais de 1.500 registros de espécimes encontrados nos rios amazônicos para arrebanhar essa enormidade.

Seu feito saiu dez dias atrás no boletim do Museu Americano de História Natural (tanto mais respeitado, dentro e fora das ciências naturais, porque recusou servir de cenário para jantar de homenagem a um governante sul-americano que se empenha em transformar florestas em pasto, grileiros em gente de bem e índios em vaqueiros).

Dagosta e Pinna descobriram mais coisas para encher de orgulho os verdadeiros brasileiros (embora a Amazônia não seja só nossa): nada menos que 1.696 dessas espécies são endêmicas. Ou seja, só podem ser encontradas na bacia amazônica e em nenhum outro lugar do planeta.

São mais tipos únicos de peixe do que tem a bacia na segunda colocação de diversidade piscosa (a do rio Congo, na África), com 1.250 espécies. Note bem, 1.250 espécies no total, endêmicas e não endêmicas, menos da metade do total da bacia do Amazonas.

Andemos devagar com o ufanismo, porém. Digo que a Amazônia não é só nossa, dos brasileiros, porque compartilhamos esse tesouro de biodiversidade com sete outros países (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela –que Deus, acima de todos, a tenha).

Para mal dos nossos pecados globalistas, foi um estrangeiro, o suíço-americano Louis Agassiz (1807-1873), quem primeiro reconheceu a supremacia ictiológica da Amazônia. Eis o que o naturalista escreveu ao imperador de então (1868), dom Pedro 2º:

“Todos os rios da Europa unidos, do Tejo ao Volga, não sustentam 150 espécies de peixes de água doce; no entanto, num pequeno lago perto de Manaus [...), cuja superfície mal perfaz 400 ou 500 jardas quadradas, descobrimos mais de 200 espécies distintas, a maior parte das quais não haviam sido observadas noutra parte”.

Sem a floresta, imperador, essa riqueza pesqueira vai para as cucuias, como diria em seu linguajar pedestre qualquer capitão de regimento. No entanto, e com certeza, sua majestade e a providência divina impedirão que tamanho desastre se materialize.

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