Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu Coronavírus

Por que vacinas para CoV-2 vão demorar

Não se anime com anúncio da empresa Moderna; testes servem para evitar que imunização agrave covid-19

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Muito barulho se fez quando a empresa americana Moderna anunciou, há três semanas, uma candidata a vacina contra o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave, Sars-CoV-2. A expectativa criada, contudo, foi prematura.

Destacou-se, com justiça, a façanha de desenvolver um preparado com potencial imunizante apenas 42 dias depois de conhecida a sequência genética do vírus. Embora reportagens tenham registrado que a vacina —caso venha a funcionar— só estaria disponível talvez em um ano e meio, recebeu menos atenção a hipótese de que esse prazo a torne inócua.

Ninguém sabe, ainda, o que acontecerá com a enfermidade covid-19. A pandemia pode ser contida em pouco mais de um ano, como ocorreu com a do primeiro coronavírus, Sars-CoV-1, em 2003 e 2004.

Laboratório em Seul faz testes para vacina contra a Mers; ainda não há imunização contra o vírus Sars-CoV-2
Laboratório em Seul faz testes para vacina contra a Mers; ainda não há imunização contra o vírus Sars-CoV-2 - Ed Jones - 11.mar.20AFP

Dezesseis anos atrás, também houve correria para criar vacinas contra a Sars, assim como no caso da síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers), que assolou em especial a Arábia Saudita entre 2012 e 2019. Poucos sabem que nem mesmo uma delas foi ainda testada e aprovada, ou que os ensaios clínicos decisivos só vão começar em dezembro deste ano.

Obter licença para pôr no mercado uma vacina não é trivial. Em condições normais de temperatura e pressão, demora uns três anos, sem contar o tempo de desenvolvimento do produto. Mesmo com as vias aceleradas (“fast tracks”) franqueadas a epidemias e pandemias sérias como as de ebola e Sars, dificilmente acontece em menos de 18 meses ou dois anos.

Não se trata de burocracia, mas de precaução imprescindível. A vacina anunciada pela Moderna terá segurança testada diretamente em voluntários saudáveis, talvez já a partir do mês que vem, mas sua eficácia em geral se verifica primeiro com cobaias infectadas, para ver se o produto é capaz de deter a instalação e a multiplicação do vírus no organismo.

Não se faz esse tipo de experimento com humanos, por óbvias razões éticas. Os modelos animais de preferência para isso são camundongos, fáceis e baratos de manter e reproduzir. Logo se verificou, porém, quando o surto ainda estava restrito à China, que esses roedores não se infectam com o CoV-2.

A saída seria recorrer a camundongos geneticamente modificados, anos atrás, para exibirem receptores em suas células compatíveis com o dispositivo invasor do CoV-1 e se tornar, assim, suscetíveis à Sars. Mas essas linhagens foram descontinuadas.

Delas sobraram só amostras congeladas de espermatozoides dos machos, que agora começaram a ser usadas de novo. No entanto, os animais só ficarão prontos em quantidade suficiente lá por abril ou maio.

Outro fator a justificar o máximo de cautela tem nome abstruso, algo como potencialização dependente de anticorpos (“antibody-dependent enhancement”, em inglês). O fenômeno paradoxal, não muito comum, acontece quando os anticorpos produzidos contra o vírus acabam por ajudá-lo a penetrar nas células ou a se multiplicar nos próprios soldados do sistema de defesa, como macrófagos.

Recomenda-se firmar certeza de que essa possibilidade está descartada para determinada candidata a vacina antes de sair a aplicá-la por aí. É por causa dessa possibilidade de reações adversas que se fazem testes primeiro com animais e depois com bem poucos seres humanos.

A vacina precoce da Moderna, que se baseia numa plataforma de mRNA, tem de superar todas essas barreiras. Ocorre que nenhuma vacina da empresa empregando essa tecnologia foi ainda aprovada pela FDA, a agência de fármacos dos EUA.

Não conte com vacinas para se proteger e aos seus. Comece lavando as mãos direito, a toda hora, evitando aglomerações e deixando de lado máscaras e redes sociais.

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