Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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O coronavírus de Wuhan e as 7 pragas da China

Em que outro país do mundo seria possível confinar 11 milhões de pessoas a uma cidade em quarentena?

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Primeiro houve as várias epidemias de gripes suínas e aviárias. Depois o surto alarmante de SARS –síndrome respiratória aguda grave que matou 774 pessoas em 2002/03. Agora o mundo está às voltas com o pânico do coronavírus de Wuhan, que até domingo (26) já tinha causado 56 mortes em cidades chinesas e alcançado 4 dos 5 continentes.
 
Não será surpresa se a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar emergência, mais uma vez, para epidemia nascida na China. Se não o fez ainda, é porque faltam informações sobre prevalência e virulência da nova moléstia que se propaga montada em costumes e práticas políticas da maior ditadura do mundo, suas sete pragas.
 
Chineses gostam de consumir animais comprados vivos, alguns bem exóticos. Em visita há menos de um ano, vi restaurantes que tinham aquários com salamandras para escolher na entrada, em Zhangjiajie, e sapos vivos num mercado popular de Guilin.
 
Seria culturalmente incorreto chamar esse costume de praga, mas é o primeiro dos problemas. Animais, em especial os silvestres, são repositórios de vírus que podem passar a barreira das espécies e se tornar um flagelo para humanos, como a zika.

Quem se dispõe a caçá-los ou criá-los, entrando em contato direto com sangue e outros fluidos no manejo dos bichos e no preparo da carne, está sujeito a adoecer e, no pior dos cenários, dar origem a uma epidemia. Na China, as civetas da SARS e até morcegos, suspeitos da hora em Wuhan, são consumidos aqui e ali como iguarias.

Não se apressem a estigmatizar a China, contudo. Os riscos de doenças emergentes também crescem na África, como testemunham os casos do HIV e do ebola, assim como os de velhas conhecidas que ressurgem na América do Sul, a exemplo da cólera no anos 1990 e da febre amarela na década de 2010.
 
A segunda condição favorável para disseminar viroses asiáticas está na demografia. Há 1,4 bilhão de chineses, e aglomerações são inevitáveis. Por essa razão o governo de Xi Jinping suspendeu a visitação da Cidade Proibida, em Pequim, e cancelou algumas comemorações pelo Ano Novo lunar, a festa mais importante do calendário por lá.
 
O terceiro fator, este sim merecedor da qualificação como praga, é o turismo. A mobilidade avançou muito no país, seja para viagens internas como ao exterior. Milhares de quilômetros de linhas de trens-bala e dezenas de estações que põem nossos aeroportos no chinelo foram construídos –para não falar dos próprios aeroportos, que rivalizam com hubs como Dubai, Atlanta e Frankfurt.
 
Chineses viajam em grandes hordas, levando consigo o coronavírus. Em questão de horas ou dias, a moléstia chega aos quatro cantos do mundo. A construção de um hospital de mil leitos em dez dias pode parecer façanha administrativa invejável, mas antes dela outras facetas da ditadura contribuíram para espalhar a enfermidade.
 
Censura é uma delas, a quarta praga. Conteúdos negativos para o governo são varridos das redes, dando margem à praga de boatos e informações falsas sobre como se prevenir, por exemplo o recurso ineficaz a gargarejos com água e sal (lavar as mãos com sabão, usar máscaras e não sair de casa doente são as coisas certas a fazer).
 
Na China, como se pode ver no documentário “Indústria Americana” da Netflix, importam os resultados. Administradores locais se viram para gerar crescimento e emprego suficientes e, assim, agradar a hierarquia do partido, estilo conhecido como “governo de guerrilha” –o quinto flagelo.
 
Prédios, fábricas e avenidas novas pesam mais que saúde. Quando as coisas dão errado e surge uma epidemia, hospitais não conseguem dar conta da emergência. Aí os governos locais demoram a notificar o surto, porque temem perder pontos e querem tentar resolver tudo sozinhos antes que sua imagem seja danificada.
 
Essa sexta praga tem ligação siamesa com a sétima, a centralização de todo o poder no topo do Partido Comunista. Sua fonte de legitimação é a prosperidade que consegue trazer ao país, erradicando a pobreza. Não tem incentivo para reconhecer a gravidade de um surto e reagir de modo eficiente –daí a censura, e a lentidão de que Xi Jinping vem sendo acusado dentro e fora da China.
 
Paradoxalmente, a sétima praga parece também conter o germe para, com sorte, deter o surto. Em que outro país do mundo, se não sob um governo cada vez mais autocrático, seria factível confinar 11 milhões de pessoas a uma cidade em quarentena como Wuhan?
 
Não no Brasil de Jair Bolsonaro, que não consegue sequer realizar um Enem.

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