Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu Coronavírus

100 mil mortos e 200 mil zumbis

Bolsonaro não cairá nem se o número de mortes da Covid-19 dobrar

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Como é possível que, no momento em que o país alcança a marca tétrica de 100 mil mortos por Covid-19, a aprovação ao presidente Jair Bolsonaro não caia e até esteja em alta aparente?

Como diria um amigo jornalista, é a pergunta de 1 trilhão de vírions. Não deve existir resposta racional para ela.

Analistas mais gabaritados dizem que é efeito do auxílio emergencial. Mas parece difícil de acreditar –uma nação de gente que guarda o coração no bolso.

Na falta de alternativa razoável, resta apelar para a imaginação. Qual seria o número mágico de apoiadores do capitão para que o rebanho adquirisse imunidade à maleficência? Chame-se esse indicador de LB, luto entre bolsonaristas.

Suponha que a perda de pessoas queridas faça os desnaturados caírem na real, quer dizer, entregar-se à própria dor e compadecer-se da alheia. E que, na aproximação com outros que sofrem, a troca de palavras de conforto e a busca coletiva por sentido conduzam à queda do véu de indiferença.

Deve existir, portanto, um limiar estatístico a partir do qual se formaria a massa crítica para começar a derreter o apoio ao celerado do Planalto. Ou assim se espera.

Diz pesquisa PoderData (5/8) que a aprovação ao governo desse homem subiu 5 pontos desde o início de julho e chegou a 45% (contra 45% que o desaprovam). Considerando que há 147,9 milhões de eleitores no Brasil, isso corresponderia a cerca de 66,6 milhões de almas (A).

Para apurar o indicador LB, é preciso ainda calcular a proporção populacional de óbitos associados ao coronavírus, direta ou indiretamente. O Conselho Nacional de Secretários e Saúde (Conass) estima em 23% as mortes excesso até aqui, neste ano, por causas naturais (excluindo acidentes e violência).

Seriam, em realidade, 123 mil os falecimentos decorrentes da Covid-19, 23 mil dos quais causados pelo vírus Sars-CoV-2 (e não detectados) ou por outras condições e ocorrências que ficaram sem atendimento. Isso corresponde a 583 mortos por milhão de habitantes (B).

Multiplicando A por B obtém-se 38.828 falecidos entre os que hoje aprovam o presidente. Tal contingente compõe o LB primário (LBp), mas antes de qualificá-lo cabe fazer uma ressalva.

Há aí a suposição implícita, e arriscada, de a Covid-19 abater-se sobre apoiadores na mesma proporção com que golpeia não bolsonaristas. Alguém mais sagaz poderá argumentar que muitos seguem na reverência ao supremo cloroquíner, talvez, por não terem vivenciado nenhuma perda; ignore-se por ora a possibilidade.

Partindo de LBp, imagine que cada morte no rebanho mitomaníaco seja lamentada por cinco pessoas próximas –filhos, irmãos, pais ou amigos (outro pressuposto de risco). Com esse multiplicador se chega ao LB real (LBr) de 194.140, um exército de quase 200 mil zumbis no umbral da volta à vida, à humanidade.

Serão eles suficientes para achatar a curva da sustentação a B.? Qual o valor ideal de LBr para o Brasil voltar a ser um país de verdade, com um presidente normal e uma multidão a apoiá-lo porque fez a coisa certa, e não o mal?

Quantos bolsonaristas de luto serão necessários para diminuírem as falanges a viralizar nas redes antissociais o argumento estulto de 3 milhões de vidas salvas? Vidas que foram postas em risco desnecessário pelo comportamento de um militar indigno no poder...

Quantos brasileiros ainda terão de morrer para a maioria se dar conta de que, nesse caminho, só ultrapassaremos os Estados Unidos como nação mais cruel do mundo?

Façam suas apostas. Esta coluna prevê, com pesar, que Bolsonaro não cairá nem mesmo se o número oficial de mortes da Covid-19 dobrar e alcançar 200 mil até o final deste ano maldito.

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