Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Não há vacina contra notícias fraudulentas que envenenam a política

Nada garante que o vírus antidemocrático, assim como o coronavírus, possa ser contido

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Walter Benjamin ensinou que a estetização da política está na alma do nazismo. Como não cabe falar em estética diante da onda neofascista brega que varre o Brasil, o pessimista pode recorrer a outra categoria alarmante, a naturalização da cultura, contra a qual alertava Stephen Jay Gould.

Metáforas e paralelos da biologia para entender a vida social são cochilos da razão que costumam produzir monstros. Darwinismo social. Negros africanos como raça inferior. Ferocidade atávica de povos indígenas. Eugenia. Infidelidade natural nos machos.

A vida política, antes encenada no teatro da opinião pública, transferiu-se para o mercado barulhento das redes sociais. O que conta mais, aí, é gerar “memes” bem-sucedidos, capazes de “viralizar”. Pouco importa seu conteúdo factual, e nem mesmo a verossimilhança tem valor.

Essa maneira de conceber o embate de ideias deveria arrepiar os cabelos da nuca de quem ouve. Vírus nunca foram coisas benéficas. Está aí o Sars-CoV-2 para lembrar a todos o poder maligno de partículas especializadas apenas em replicar-se.

Quem começou com essa história foi o evolucionista britânico Richard Dawkins. Em 1976, ele caracterizou sequências funcionais de DNA como entidades dedicadas à própria reprodução, não tanto à dos organismos que as carregam —o “gene egoísta” de que fala o título do livro célebre.

Na mesma obra, Dawkins estendeu a figura para partículas de conteúdo (ideias) que sobrevivem na cultura por sua capacidade de “infectar” outras mentes —os memes. Todo mundo sabe, hoje, que se espalham mais facilmente noções parasitas de medos e preconceitos, sem afinidade com a razão ou os fatos.

Não há vacina contra notícias fraudulentas e narrativas que envenenam o corpo político. Queremos acreditar em anticorpos contra elas secretados pela verificação objetiva, mas sua capacidade de mutação e replicação tem anulado qualquer reação imune.

Insistir em argumentos racionais e teor factual das informações equivale a usar máscaras na pandemia de Covid-19: não propaga o vírus, e a pessoa se protege da contaminação por falsidades.

Isso não impede, contudo, que memes continuem em circulação entre os que se recusam a usá-las. Ou que só o façam segundo o próprio conforto, com o nariz para fora, no queixo, dependurada na orelha. Verossimilhança e falseabilidade? Só quando convém.

Há certa infecciosidade na ideia de que não usar máscaras é um direito, exercício de liberdade individual. Não difere da noção de que as pessoas não podem ser obrigadas a se vacinar, como espalham o presidente Jair Bolsonaro e sua Secretaria de Comunicação Social.

Alguns se consolam com a ilusão de que o movimento antivacinas não tem grande apelo no Brasil, fiando-se no instantâneo das pesquisas de opinião. Uma ingenuidade tão grande quanto crer que Bolsonaro seria contido pelas instituições.

O presidente já lançou outra semente de dúvida sobre futuras campanhas de vacinação ao opor a vacina “de Oxford” à “da China”. Se fracassar a primeira, com testes clínicos ora paralisados, não hesitará em fomentar o meme do chip comunista no preparado da Sinovac só para prejudicar o adversário eleitoral paulista.

Nada garante que o vírus antidemocrático, assim como o coronavírus, possa ser contido. Ainda não se sabe se infecções e vacinas tentativas conferirão imunidade definitiva contra qualquer um dos dois.

Como o absurdo das mamadeiras penianas e quejandos não impediu a eleição de um presidente patológico —bem o contrário—, por que 150 mil ou 200 mil mortos inviabilizariam sua reeleição?

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