Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu mudança climática

Mudança climática castiga eleitores de Bolsonaro no Sul

Ciclones, chuvas e recordes despertam brasileiros para desastre na atmosfera da Terra

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"Nós somos parte do problema para a vida na Terra neste momento, mas nossa solução é muito pequena." É inescapável concordar com o ex-secretário-executivo de Mudanças Climáticas da cidade de São Paulo, Antonio Fernando Pinheiro Pedro.

Em boa hora ele foi exonerado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), ainda que o negacionista nem devesse ter sido nomeado. Decerto o alcaide já conhecia a convicção do aspone, quiçá o tenha escolhido precisamente por ela.

Não é o caso aqui de fazer processo de intenções, mas de explicar por que, a seu modo canhestro, o defenestrado tem certa razão. A humanidade pode fazer pouco, nesta altura, para contra-arrestar impactos mais ameaçadores do aquecimento global.

Árvore tombada pela ventania em Caxias do Sul deixa as raízes à mostra e um buraco onde ela estava
Passagem de ciclone provoca morte e série de estragos em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul - SMOSP - 13.jul.23/Divulgação

No entanto, ele disse isso para desqualificar tais esforços, não para intensificá-los. É o que ainda restaria fazer, não tanto para evitar a mudança climática, já contratada, após três décadas de enrolação após a Rio-92, mas para diminuir o porte do desastre e preparar as cidades diante do que está por vir.

Por infeliz coincidência, a tardia derrubada do terraplanista climático se deu em paralelo com o ciclone que deixou sem luz mais de 1 milhão de moradores da região Sul. Sim, aquela parte do Brasil que votou em peso em Jair Bolsonaro, outro terraplanista climático, mas é melhor deixar isso de lado.

Mais de um terço da população do Rio Grande do Sul foi afetada, de um jeito ou de outro. Segundo a Defesa Civil, 52 cidades gaúchas sofreram prejuízos. Mais de 600 desabrigados ou desalojados.

Ventos de 140 km/h, cáspite. Na escala Saffir-Simpson, corresponde a um furacão de força um, o mais fraco, descrito porém como "ventos muito perigosos que produzirão algum dano".

Só morreram duas ou três pessoas... Bem menos, verdade, que as 16 vitimadas em 15 de junho passado. Sim, outro ciclone atingira o Sul em menos de um mês. Na realidade, foram três, no total.

Uma semana atrás, chuvas torrenciais desabrigaram 27 mil habitantes de Alagoas e Pernambuco. Há pouco mais de quatro meses, 65 pessoas morreram na tragédia da praia Barra do Sahy, em São Sebastião (SP).

Tinham caído em áreas do município paulista mais de 600 milímetros, em 24 horas, chuva que nordestinos do semiárido bendizem quando vem num ano inteiro. Foram 600 litros de água por metro quadrado, que encharcaram o solo e o arrastaram com floresta e tudo encosta abaixo, soterrando serviçais de veranistas.

Quem achar que isso tem algo a ver com o aquecimento global estará na pista certa. A primeira semana de julho foi a mais quente na medição da temperatura média da atmosfera da Terra. Os últimos oito anos foram os mais quentes já registrados.

Em 1992, no Rio de Janeiro, governos do mundo todo adotaram a Convenção da ONU sobre Mudança Climática. O objetivo do tratado era diminuir emissões de gases do efeito estufa para mitigar o aquecimento global.

O que aconteceu depois disso? A poluição climática seguiu em alta. Sobretudo com a queima de combustíveis fósseis, mas também com desmatamento e outros impactos da agropecuária em escala industrial.

Resta menos de uma década para reverter essa tendência e ter chance de conter o aquecimento em 1,5ºC, meta de segurança acertada em 2015 no Acordo de Paris. Mas quem ainda acredita que até 2030 serão cortados 40% ou mais das emissões globais?

A boa notícia, se há alguma, é que hoje até o prefeito paulistano bolsonarista se vê constrangido a dispensar um auxiliar que desdenha da crise do clima. Deve ser porque mais e mais eleitores estão despertando para o óbvio —as mudanças climáticas chegaram.

Acordaram, enfim. Tarde demais.

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