Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu genética diabetes

Diversidade racial se torna prioritária para bancos genômicos

Projeto All of Us tem dados só dos EUA, mas inclui quase metade de não brancos

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Há dez dias completaram-se 23 anos da publicação dos dois primeiros rascunhos do genoma humano, com grande fanfarra e promessas de um futuro de medicina personalizada. Quase um quarto de século! —e a promessa ainda é dívida.

Uma das razões está em que a genômica permanece pouco inclusiva. A falta de diversidade populacional nos bancos de dados genéticos vinha declinando devagar, mas agora parece ter dado um salto com o projeto norte-americano All of Us (todos nós, em inglês, na realidade uma imprecisão, como se verá a seguir).

O primeiro rascunho, obra do Projeto Genoma Humano (PGH) oficial, foi publicado no periódico científico Nature e tinha custado mais de US$ 3 bilhões. O outro, da empresa Celera, mais barato, saiu simultaneamente na concorrente Science após acordo que envolveu o presidente Bill Clinton (EUA) e o premiê Tony Blair (Reino Unido).

Representação gráfica de DNA
vladimircaribb/adobe stock

A ideia era que, tendo em mãos uma lista de referência de todos os genes e sequências de DNA vizinhas a eles, seria possível detectar em cada indivíduo mutações que dessem pistas para doenças e tratamentos. Estou simplificando muito a coisa, mas a propaganda genômica era meio tosca, mesmo.

O problema é que não pode existir uma lista de referência, pois há milhões de variações nas letras do código genético entre indivíduos. Algumas com consequências graves ou ponderáveis, outras nem tanto. As combinações possíveis entre elas proliferam em quantidades astronômicas.

Além disso, com o tempo foi ficando mais claro que a maioria dos problemas de saúde tem origem poligênica. Ou seja, participam muitos genes que especificam proteínas (ou falham em fazê-lo corretamente para o organismo) e também outras sequências cujas funções são mal conhecidas.

Para nada dizer, claro, das interações entre a carga genética da pessoa e seu modo de vida, o ambiente onde vive ou cresceu, se faz atividade física, qual a sua dieta etc.

Para dar conta dessa complexidade toda, multiplicaram-se estudos para correlacionar variações genéticas com as enfermidades ou sintomas dos indivíduos. Conhecendo muitas sequências de DNA e suas combinações, em legiões de pessoas, seria possível predizer o risco para outros indivíduos.

A limitação, então, passou a ser a falta de diversidade nos bancos de dados genéticos. Naquele que era até agora o maior deles, o britânico UK Biobank, 88% dos dados provêm de pessoas brancas.

Surgiu então o projeto All of Us, para o qual já se destinaram outros US$ 3,1 bilhões. Em verdade não somos "todos nós", mas todos eles: os dados foram colhidos só nos Estados Unidos.

De qualquer maneira, aumentou bastante a diversidade depositada nessa base genética, compilada num país multirracial como os EUA. Quase a metade dos voluntários que cederam seu DNA e seus históricos de saúde se declararam não brancos (negros, latinos, indígenas).

Uma série de artigos derivados do projeto publicados segunda-feira (19) em revistas do grupo Nature apresentou a primeira leva de dados do All of Us, que tem por meta recolher informação genética e médica de 1 milhão de pessoas. Nesta batelada entraram 245 mil genomas.

Os algoritmos detectaram 275 milhões de marcadores genéticos, 150 dos quais relacionados com diabetes tipo 2, que afeta 1 em 10 norte-americanos. Tal informação facilitaria identificar com mais acuidade e prevenir a progressão do problema em maior diversidade de pessoas, não só as de origem europeia.

Trata-se de um avanço. Mas, nessa toada, é difícil afastar a impressão de que a tal medicina personalizada só estará disponível para nossos netos ou bisnetos —que de resto terão coisas bem mais graves com que se preocupar, como os eventos extremos do clima enlouquecido pelo aquecimento global que legaremos a eles.

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