Marcia Castro

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

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Marcia Castro
Descrição de chapéu Coronavírus desmatamento

Há necessidade de investir na prevenção de pandemias

Os custos diretos e indiretos da pandemia, de curto, médio e longo prazos, são gigantescos e continuam se acumulando

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No dia 4 de fevereiro o Brasil voltou a registrar mais de mil mortes diárias por Covid-19. No mesmo dia, os Estados Unidos superaram a marca de 900 mil mortes por Covid-19. Os custos diretos e indiretos da pandemia, de curto, médio e longo prazos, são gigantescos e continuam se acumulando.

Mas qual seria o custo de ações que contribuíssem para prevenir que as pandemias acontecessem?

Um estudo feito por 20 pesquisadores das Américas, Asia e África (do qual participei) propõe três ações para prevenir a emergência de novas zoonoses: uma rede global de vigilância de patógenos, uma melhor gestão do comércio e caça de animais selvagens, e a redução do desmatamento. O custo anual estimado dessas ações representa apenas 5% do custo estimado de vidas perdidas e menos de 10% do custo econômico de doenças infecciosas emergentes!

Sepultadores enterram vítima de Covid-19 no Cemitério Vila Formosa, em São Paulo
Sepultadores enterram vítima de Covid-19 no Cemitério Vila Formosa, em São Paulo - Mathilde Missioneiro - 28.abr.2021/Folhapress

Além disso, essas ações proporcionam benefícios sociais, econômicos e ambientais não incluídos na estimativa de custo. Como exemplo, contribuir para evitar emissões de dióxido de carbono, proteger os direitos dos povos indígenas, conservar a biodiversidade, evitar danos psicológicos por perda de emprego, parentes ou isolamento social, evitar atraso em tratamentos médicos, ​​e evitar perda ou atrasos na educação, dentre outros.

O ditado popular "é melhor prevenir do que remediar" é e sempre será sábio. Mas não é a base de recomendações internacionais e políticas públicas direcionadas às futuras pandemias. Geralmente, ações são direcionadas à detecção e contenção, não à prevenção. Essas recomendações são periodicamente revistas com base em erros e acertos observados a cada epidemia/pandemia, porém sem destaque para a prevenção.

O documento de gestão de epidemias da Organização Mundial da Saúde discute ações de prevenção e controle após a introdução de patógenos, mas não ações que previnam a emergência dos mesmos. O novo Plano de Preparação para Pandemia dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, divulgado dia 2 de fevereiro, é um primeiro passo na melhoria da vigilância de patógenos a fim de acelerar o desenvolvimento de testes, medicamentos e vacinas. Será importante acompanhar de que forma este plano efetivamente contribuirá para uma rede global de vigilância.

Aqui vale ressaltar a falta de incentivos à prevenção. Primeiro, estruturas e organizações de financiamento para pesquisa não priorizam investimentos em prevenção primária. Segundo, prevenção não resulta em lucros para corporações que se beneficiam com a pandemia. Terceiro, ações de prevenção na saúde pública sofrem do "paradoxo do sucesso". O sucesso da prevenção é invisível. Há uma ausência de eventos dramáticos, e mortes evitadas não geram um sentimento intenso como vidas perdidas o fazem. É necessário que haja investimento, comunicação em massa, e um comprometimento de diversos setores da sociedade, incluindo governantes.

No Brasil, o Projeto PREVIR (Rede Nacional de Vigilância de Vírus em Animais Silvestres) monitora diferentes espécies animais em algumas localidades da Mata Atlântica e da Amazônia. Projetos como esse precisam ser expandidos. Entretanto, o desenvolvimento científico no Brasil sofre com o corte de verbas, e em 2022 o orçamento da Capes e CNPq representa menos da metade da verba disponível dez anos atrás.

Considerando o desmatamento, uma das três ações propostas para prevenção de pandemias, os recursos destinados à redução do desmatamento são um investimento para prevenir a futura emergência ou reemergência de zoonoses, mas também para mitigar atuais desafios epidemiológicos na Amazônia, como a malária, a expansão das arboviroses, e doenças respiratórias associadas às queimadas. Aqui, entretanto, o Brasil anda na contramão. O desmatamento vem aumentando significativamente, até mesmo em meses de chuva, como foi o caso de Janeiro deste ano.

Após dois anos, as consequências devastadoras da pandemia de Covid-19 persistem. É inaceitável, tanto do ponto de vista humano como econômico, que não sejam empreendidos esforços globais para que se previna uma futura pandemia.

No Brasil, uma mudança séria de paradigma com foco na prevenção, ao que parece, só virá nas urnas.

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