Marco Aurelio Ruediger

É chefe da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-DAPP)

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Marco Aurelio Ruediger
Descrição de chapéu Eleições 2018

Sobre o ódio nas redes

Cabe aos candidatos tentar fazer com que o país não ceda em sua humanidade

Em prédio no centro de São Paulo, moradores penduram bandeiras do PT em uma janela e a bandeira do Brasil em outra - Raquel Cunha/Folhapress

Esta eleição tem extrapolado todos os limites. O levantamento recente que fizemos na Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV é revelador. Mapeamos milhões de postagens durante a campanha eleitoral para diversos fins, inclusive com filtro no discurso de ódio.

Ofensas relativas a nordestinos —em sua maioria vinculadas ao apoio regional majoritário ao PT— bateram recorde. No segundo turno, em dois dias apenas, foram 1,8 milhão de menções somente no Twitter, mas verificável também em outras plataformas. Não foi só contra nordestinos. Há uma distribuição generalizada das ofensas e ameaças contra diversas categorias identitárias, sejam gays, mulheres, negros, evangélicos, imprensa, comunistas ou socialistas, entre outros.

No entanto, essa distribuição de ofensas não se limita ao eleitor de esquerda ou a minorias, ainda que seja sobremodo focada nesses grupos, mas também atinge outros campos. 

Menções sobre nazismo ou fascismo chegam a 1,1 milhão. A terminologia nesse caso é usada não só para atacar oponentes da esquerda, mas também, em reverso, na pasteurização depreciativa de apoiadores da direita, como se todos os eleitores conservadores fossem fascistas totalitários a serem batidos. 

Isso é extremamente preocupante. A democracia tem em sua essência a garantia de liberdade; isso significa que nela é basilar o exercício do pensamento crítico e, portanto, também do contraditório. A política é o espaço primário desse exercício, mas também o é o cotidiano do cidadão, desde a cultura até o hábito. Quando não há a política, há guerra e barbárie. Isso não pode ser aceito, pois é um agravamento radical da polarização, atinge a vida social, sua diversidade e costumes, de forma que elimina a própria liberdade do indivíduo. 

O discurso do ódio nessa magnitude constrange a política como espaço de solução de conflitos. Pergunto o quanto as instituições e a própria Constituição não estão, por decorrência, sendo também atacados. 
Não se trata apenas de uma discussão conceitual, alerto, pois, por exemplo, ao marcar uma pessoa com uma suástica, traz-se de forma brutal para nossa sociedade um dos períodos mais execráveis e divisórios do século 20. 

Promove-se num ato uma distinção negativa, persecutória e violenta do cidadão por sua preferência política e composição identitária, que se transforma em espiral. Ouso dizer que tal ato deveria ter um veemente repúdio do STF em cadeia nacional. Vou além, e creio que organizações como o Centro Simon Wiesenthal deveriam observar com cuidado o que aqui ocorre, pois a própria declaração dos responsáveis pela apuração do ocorrido parece insuficiente para um ato de tamanha gravidade simbólica. Isso é venenoso para o Brasil.

Essa espiral tem origem. É filha bastarda da radicalização desse primeiro turno, pois foi alimentada pela estratégia dos atuais contendores do segundo turno que investiram na polarização radical. Não que essa espiral de ódio fosse ardilosamente programada, longe disso, mas é uma externalidade negativa da estratégia binaria, exacerbada para esterilizar as candidaturas alternativas em cada campo —uma eventual terceira via. 

Infelizmente, a democracia sofre e nós brasileiros provavelmente pagaremos um alto preço em governabilidade, uma vez que, independentemente do resultado, a divisão permanecerá, agora abissal. Os dois candidatos, portanto, não devem apenas lamentar o ocorrido. Se querem ser presidentes do Brasil, precisam ir além e garantir em seus programas que isso não será tolerado em um novo governo; e explicitar como. O país não pode ceder em sua humanidade.

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