Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa
Descrição de chapéu

Desatino

Conflito endêmico e repleto de acusações mútuas inviabiliza o diálogo

Os ódios polarizados das últimas semanas refletem um Brasil dividido. O confronto descontrolado resulta em desolação e na dificuldade em negociar soluções para problemas urgentes, como a Previdência ou a segurança. O conflito endêmico e repleto de acusações mútuas inviabiliza o diálogo.

Os mais velhos talvez recordem do filme “Do the Right Thing”, obra com cores fortes de Spike Lee, em que uma sequência de pequenos eventos leva a uma escalada impensável de violência e em muitas vítimas. Por que mesmo tudo começou?

Por aqui, há os que se referem ao processo de impeachment recente como “golpe”. Há, também, os que se lembram das manifestações de “Fora, FHC” acompanhadas de seguidas acusações infundadas contra servidores públicos que apenas procuravam fazer o melhor para o país.

Muitos reclamam da morosidade da Justiça que protela a condenação de culpados. 

A mesma lentidão inaceitável prejudica inocentes, alguns obrigados há duas décadas a se defender de ações judiciais motivadas pela política mais rasteira.

Desde o começo da década, alerta-se sobre os problemas crescentes na economia. Muitos, porém, preferiram as palavras de ordem e a desqualificação da divergência. A extensão do fracasso, com o naufrágio de inúmeros projetos apoiados pelo governo, abateu empregadores e empregados e turvou as perspectivas dos jovens. O país paga um preço imenso pelo oportunismo enraizado.

Há muitos exemplos de conflitos que resultam em barbárie descontrolada, alguns clássicos.

A Ilíada, de Homero, passa-se quase no fim da guerra de Troia. Aquiles, o maior herói grego, recusa-se a combater os inimigos por uma desavença com o comandante do Exército. A birra tem consequências trágicas. Seu maior amigo, Pátroclo, veste a armadura de Aquiles para combater a cidade sitiada e é morto por Heitor, príncipe de Troia.

Aquiles, imerso em dor, inicia uma vingança desenfreada e termina por matar Heitor. Insatisfeito, amarra o cadáver atrás de uma biga e o arrasta três vezes ao redor do túmulo de Pátroclo.

Apolo, indignado, critica a anuência de alguns deuses à violência desmedida. Por maior que fosse o herói, não era aceitável descarregar a sua fúria contra o corpo sem vida.

Homero retratou a brutalidade da guerra e o desatino do seu maior herói em meio a uma surpreendente compaixão pelos inimigos destroçados. Os deuses concordam que existe limite para a vingança. Aquiles devolve o corpo de Heitor ao seu pai, que fora buscá-lo em uma jornada comovente.

O épico de Homero surpreende pela empatia com a dor do inimigo. Sua poesia alerta sobre a necessidade de contenção para evitar o desatino.

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