Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcos Lisboa

Proposta de reforma tributária não enfrenta as causas das distorções

Aspectos da nossa legislação que são preservados na proposta permitem a grupos de alta renda pagar pouco imposto, enquanto outros da classe média são onerados como se fossem ricos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O debate sobre reforma do Imposto de Renda (IR) tem, aparentemente, dois pontos consensuais: 1) famílias com rendas parecidas deveriam pagar alíquotas parecidas de impostos; 2) a tributação deveria ser progressiva, onerando proporcionalmente mais quem ganha mais.

Alguns questionam se nosso sistema tributário é suficientemente progressivo, mas isso é fácil de resolver. Seria possível, por exemplo, adotar uma alíquota de 30% para a renda que ultrapassar R$ 30 mil por mês (1% dos adultos mais ricos do país), ou alíquotas ainda maiores, como 35%, para rendas mais altas.

Apesar do aparente consenso, a reforma desperta polêmicas. Os problemas decorrem de aspectos da nossa legislação que são preservados na proposta em discussão no Congresso e que permitem a grupos de alta renda pagar pouco imposto, enquanto outros da classe média são onerados como se fossem ricos.

As distorções começam na tributação sobre as empresas, figuras jurídicas que organizam direitos e obrigações no processo produtivo. Há os trabalhadores que recebem salários e benefícios; há os credores, que devem ser remunerados como previsto nos contratos.

Cabem aos acionistas os direitos residuais de uma empresa, seja do valor do negócio, caso seja vendido, seja do lucro, caso as receitas sejam maiores do que as despesas. Toda renda gerada por uma empresa, portanto, pertence a alguém, seguindo uma hierarquia em que, no fim da fila, está o acionista.

Em muitos países, o governo cobra antecipadamente parte do imposto antes de a renda ser distribuída. A empresa paga aos funcionários apenas os salários líquidos do imposto retido na fonte, que é repassado diretamente à Receita Federal. Anualmente, o trabalhador consolida todas as suas rendas e despesas e verifica se há ajuste a fazer, pagando ou recebendo a diferença devida.

Com uma diferença, algo similar ocorre em outros casos. Quando o governo paga os juros da sua dívida, ele desconta os impostos devidos pelo emprestador. O mesmo acontece com títulos de dívidas privadas (renda fixa). A diferença em relação aos trabalhadores é que o recebedor desses juros não precisa fazer ajuste na sua declaração anual de IR. Nossa legislação estabelece que o imposto já foi pago, qualquer que seja a renda do indivíduo.

Tratamento semelhante é dado aos lucros no Brasil desde 1995. O tributo já é pago pela empresa. O acionista não precisa fazer ajuste no seu IR, pois o dividendo é uma renda distribuída depois do pagamento das obrigações com a Receita Federal.

O tema fica mais complexo porque, no Brasil, há várias formas de tributar o lucro. Para grandes empresas, vale a regra do resto do mundo: o lucro contábil é corrigido para calcular a parte do fisco.

Para a maioria das empresas, contudo, existem regras que presumem o lucro com base no seu faturamento. O problema é que a remuneração dos sócios pode ser muito diferente do que
é presumido pela legislação.

Por exemplo, uma empresa de serviços que fature R$ 10 milhões por ano e arque com custos de R$ 1,5 milhão tem um lucro presumido de R$ 3,2 milhões e paga pouco menos de R$ 1,1 milhão de IR. Seus acionistas, contudo, têm direito a R$ 7,4 milhões de dividendos, sendo tributados, na prática, em menos de 13% sobre a sua renda bruta (1,1/(1,1+7,4).

Existem, por outro lado, pequenos e médios negócios com margem de lucro bem menor do que algumas empresas de serviços, e cujos proprietários são bem mais onerados pela tributação. Há anos, Bernard Appy apresenta exemplos de como trabalhadores com carteira assinada podem pagar proporcionalmente mais tributos do que sócios de empresas do lucro presumido com renda bem mais elevada.

Dragões esquálidos em tons de azul e verde feitos com notas de real
Apesar do aparente consenso, a reforma desperta polêmicas - Edson Ikê - 8.ago.2021

Para complicar, muitos da classe média são acionistas de grandes empresas, sobretudo por meio de fundos de pensão. Um aposentado que tem direito ao equivalente a R$ 5.000 por mês do lucro de uma grande empresa pode pagar a mesma alíquota efetiva de tributos sobre os lucros cobrada de sócios bem maiores e mais ricos, atualmente cerca de 25%.

Esses casos ilustram as distorções do nosso regime tributário. Confundimos o tamanho da empresa com o tamanho do acionista. Existem sócios pequenos de grandes empresas. Existem também grandes proprietários de pequenas empresas que estão no grupo do 1% mais rico do país, mas que são privilegiados pelas regras atuais.

Existe uma saída para corrigir essas distorções. Basta que todo cidadão consolide anualmente as rendas recebidas (como salários, juros e dividendos) mais os tributos pagos antecipadamente. Exatamente como fazem os trabalhadores, que declaram o seu salário total, não o líquido de imposto.

Com base na renda bruta, aplica-se a tabela progressiva do IR para verificar se o imposto já pago foi maior ou menor do que o devido. No caso do aposentado acima, haveria restituição, enquanto no exemplo dos sócios com renda elevada haveria imposto a mais a pagar.

Nessa regra, as famílias são tributadas de acordo com a sua renda, sejam acionistas, trabalhadores ou detentores de renda fixa. E aqueles com maior renda pagam proporcionalmente mais tributos. Cabe mencionar que os lucros nas empresas poderiam ser tributados como nos países ricos, entre outros aspectos técnicos que não cabem nesta coluna.

Nada disso está previsto na proposta em discussão no Congresso.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.