Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa
Descrição de chapéu congresso nacional

O novo coronelismo

Solução mal desenhada para problema do financiamento privado de campanhas resultou em poder de mando desmedido

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A próxima eleição desperta especulações sobre possíveis candidaturas. Um aspecto relevante, contudo, parece estar passando despercebido: o processo de distribuição de verbas públicas que vai determinar a competitividade dos candidatos a cargos eletivos. No ano que vem, essa partilha corre o risco de ser controlada por poucos congressistas com poder de mando.

Desde 2020, o Congresso, com o aval do Executivo, resgatou a emenda do relator, que havia sido sepultada três décadas atrás. O montante do butim não tem sido nada modesto, oscilando entre R$ 15 bilhões e quase R$ 30 bilhões por ano. O seu destino é decisão discricionária de poucos líderes do Legislativo, que definem quais demandas devem ser atendidas.

Esses líderes sabem quem são os beneficiários, mas não o restante da sociedade. Há pouca transparência sobre os congressistas que têm seus pedidos atendidos, assim como sobre o destino dos recursos. Sabem-se menos ainda quais são as razões de atender a uns e não a outros.

O prédio do Congresso Nacional
O prédio do Congresso Nacional - Roque de Sá/Agência Senado

Em que medida o acesso a recursos da emenda do relator depende de como votam os congressistas em temas do interesse de quem tem a chave do cofre? A liberação dos recursos tornou-se contrapartida do apoio a projetos de lei que atendam aos interesses de poucas lideranças da Câmara?

A continuar essa prática em 2022, os agraciados vão poder gastar nos seus rincões, seduzindo eleitores à custa do resto do país, que paga a conta.

A distribuição das emendas favorece as alianças entre congressistas e políticos locais das suas bases eleitorais. Ambos se beneficiam da distribuição de recursos, fortalecendo a sua reeleição ou a de seus correligionários. Eleger alguém da oposição ficará mais difícil.

Algo similar ocorre com as demais emendas individuais de congressistas. Os políticos com mandato recebem verba para financiar, discricionariamente, obras em suas paróquias. Existe inclusive a possibilidade de as emendas preverem simplesmente a transferência de recursos para o caixa da prefeitura ou do estado, que podem gastá-los como bem entenderem.

Ilustração da coluna de Marcos Lisboa mostra um homem de chapéu com uma arma na mão sentado num cavalo que carrega na boca a bandeira do Brasil em meio ao gado
Ilustração Edson Ikê

Tentou-se coibir a “política da bica d’água”, que distribuía trocados em troca de promoção dos mandatários, com algumas medidas, como a que restringiu gastos de publicidade de governos em anos eleitorais. Têm sido de pouca valia. Os retrocessos estão a ocorrer, e os trocados se transformaram em bilhões. Os valores envolvidos nas emendas dos congressistas capturam cerca da metade dos recursos disponíveis do Executivo para realizar investimentos públicos.

O problema não para por aí. Além do fundo partidário, com dotação anual generosa, existe o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), o chamado fundo eleitoral, que destinará bilhões de reais de recursos públicos para as próximas eleições. Os candidatos agraciados com as escolhas da cúpula de cada partido terão bem mais chances de serem eleitos do que os demais.

Muitos dos que votam nas prévias eleitorais, que determinarão quem disputará cargos majoritários, como a Presidência da República, dependerão dos recursos do FEFC em suas campanhas para cargos no Legislativo. Quantos, por apreço aos seus princípios, irão optar por se manifestar contra a orientação dos senhores que destinam os recursos eleitorais?

Há poucos anos, as campanhas não dependiam tanto dos favores da cúpula partidária. Era possível disputar um cargo mesmo que em desagravo ao que defendiam alguns mandatários. Não mais. A política velha capturou os recursos disponíveis para financiá-las, pagos pelos tributos da sociedade, e decide quem terá apoio na corrida eleitoral e quem será escanteado.

Boas intenções nem sempre são bem-sucedidas. Era preciso regular o financiamento das campanhas por meio do setor privado depois de tanta corrupção. Como são necessários recursos para disputar uma eleição, optou-se por utilizar verbas públicas. A solução mal desenhada, contudo, resultou nesse poder de mando desmedido.

As emendas individuais e o FEFC favorecem os políticos já eleitos e dificultam a renovação nas eleições, mas ao menos são rateadas entre os partidos. A emenda do relator concentra uma quantidade ainda maior de recursos na mão de poucos políticos no Congresso. Se o problema já era grave, ficou ainda bem pior. A disputa eleitoral tornou-se refém de coronéis que escolhem seus eleitos.

O poder público, incluindo o Judiciário e os órgãos de controle, tem sido lento em avaliar a necessidade de, ao menos, garantir maior transparência sobre o destino das emendas de congressistas, sobretudo a de relator, alcunhada de RP9. Acabar com a farra das emendas de congressistas requer uma reforma constitucional de difícil aprovação. Quantos votarão a favor de acabar com seu acesso privilegiado aos cofres públicos?

A distribuição de favores do poder central para garantir o apoio dos aliados nas eleições locais é prática antiga. Ela foi tema da tese de Victor Nunes Leal, “Coronelismo, Enxada e Voto”, que descreveu, em 1949, como a velha política se beneficiava dos recursos públicos federais para deturpar o processo eleitoral e beneficiar seus acólitos nas suas bases eleitorais. “Para os amigos o pão, para os inimigos o pau.”

Victor Nunes Leal tornou-se ministro do STF em 1960, mas teve seu mandato cassado durante a ditadura militar.

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