Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa
Descrição de chapéu juros Selic inflação

Agora vai. Ou não?

Parece que muitos ainda não entenderam que o Brasil continua a ser o país da volatilidade e da arbitrariedade

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A possibilidade de uma crise de crédito passou a ser tema de preocupação. Algumas empresas e instituições financeiras andam a reportar lucros bem menores ou mesmo prejuízos elevados.

Os dados sugerem que o momento é de cautela. Contudo, ainda não há sinais de uma crise severa generalizada, como conclui relatório recente do Cemec Fipe.

Entretanto, são tempos de preocupação, o que não deveria surpreender, dado o nosso histórico.

Aparentemente, algumas empresas não incorporaram nas suas análises que o Brasil é um país de alta volatilidade, em que os preços dos diversos ativos, a taxa de juros, a inflação e o crescimento da economia podem surpreender em um prazo curto. E não se preparam para isso.

Ilustração em fundo azul mostra um gráfico em queda e aviõezinhos de papel feitos de dinheiro voando sobre ele.
Edson Ikê/Folhapress

Podem ser úteis dados comparando a frequência e a gravidade das crises no Brasil com a de outros países. Tivemos queda da renda por habitante em 14 dos 40 anos entre 1980 e 2019, segundo dados do Banco Mundial. Desempenho igual ou pior que o nosso só se observa em países pobres ou dependentes de petróleo, além da Argentina.

Nos países ricos e de renda média, a maioria teve queda na renda por habitante em seis anos ou menos, com alguns casos em sete anos ou pouco mais.

Nos anos bons, nossa renda por habitante até cresceu mais rápido que nos países desenvolvidos: 2,8% contra, por exemplo, 2,2% nos EUA. Porém, nos frequentes períodos ruins, ela caiu significativamente: em média, 2,6%, contra, por exemplo, 1,6% nos EUA, 1,5% na Austrália ou 1,2% na Dinamarca. Mesmo nos bons anos, contudo, ela cresceu bem menos do que em muitos países emergentes.

Com muitas quedas fortes da renda por habitante ao longo dos anos, não compensadas pelas recuperações um pouco mais intensas, o Brasil ficou comparativamente mais pobre. Crescemos, em média, 0,9% ao ano, superando apenas países pobres, a Argentina e o México.

Ficamos bem atrás de países ricos (EUA e Reino Unido com 1,7%, por exemplo) e de vizinhos como Chile (3%) e Colômbia (1,7%).

Os repiques inflacionários têm sido recorrentes no Brasil, como em 2002, na primeira metade da década passada e neste período após a pandemia. Atualmente, a inflação elevada afeta o Brasil e os países desenvolvidos, mas isso não ocorreu nos períodos anteriores. Por vezes, a inflação por aqui descola da que ocorre nos principais países ricos e emergentes.

A maior inflação acaba levando a aumentos da taxa básica de juros fixada pelo Banco Central (Selic). No começo do primeiro governo Lula, por exemplo, a taxa Selic chegou a perto de 18% acima da inflação esperada nos 12 meses seguintes. No seu primeiro mandato, ela ficou, em média, próxima de 12%, e agora está em cerca de 8%.

Tudo indica que temos problemas específicos que resultam nessa elevada volatilidade, na maior frequência de crises e no baixo crescimento médio.

Igualmente volátil tem sido a intervenção do poder público na economia. Algumas vezes, o governo tenta controlar preços para atenuar a percepção da inflação. Foi assim há uma década, com medidas voluntariosas nos combustíveis, no setor de energia e nas tarifas públicas; foi assim no último governo, novamente com intervenções em preços de combustíveis e energia, desta vez por meio alterações oportunistas nos tributos.

A intervenção no setor elétrico em 2013 deixou um passivo de dívidas, comprometeu a expansão da oferta e resultou em preços elevados de energia a médio prazo.

A recente alteração da taxa máxima de juros para empréstimos consignado resultou em um apagão na oferta de crédito.

O Judiciário igualmente interfere com frequência em contratos juridicamente perfeitos para favorecer uma das partes em detrimento do pactuado. Isso ocorreu, por exemplo, na década passada nos contratos de financiamento para automóveis, beneficiando inadimplentes.

A concessão da Linha Amarela no Rio foi rompida, literalmente, com tratores e liminares na Justiça.

Algumas intervenções podem ser bem-sucedidas, como comentou Bernardo Guimarães em coluna recente nesta Folha, em que compara o teto na taxa de juros no cheque especial e a medida similar recente no consignado, porém com resultados bem distintos. Mas isso requer analisar cuidadosamente as causas do problema.

Diagnósticos detalhados, análises de avaliação de impacto e do custo de oportunidade dos recursos públicos, além da abertura dos microdados que o governo utilizou nos seus trabalhos, auxiliaria a separar as propostas de intervenções adequadas das voluntariosas e desastrosas.

Entretanto, isso, em geral, não acontece. Na contramão das boas práticas, a ação oficial por vezes atua oportunisticamente nos sintomas, sem tecnicamente identificar as suas causas ou avaliar as possíveis consequências da intervenção.

Da mesma forma, pouco são utilizadas avaliações dos resultados para aperfeiçoar as políticas existentes, ou interromper as que fracassaram.

O resultado é um país de economia volátil e intervenções públicas arbitrárias, com mudanças frequentes nas regras do jogo, o que desestimula o investimento e prejudica o crescimento.

Algumas empresas e bancos, sobretudo os mais novos, parecem, por vezes, se esquecer do país em que vivem. Nos bons momentos, apostam que desta vez será diferente, e investem como se as condições fossem permanecer as mesmas por muito tempo.

Há poucos anos, a Selic caiu para 2% e havia muito crédito disponível. Em certos casos, o resultado foi um endividamento demasiado.

Muitos não incorporaram, nas suas análises, cenários de estresse para avaliar o que poderia ocorrer com seus negócios se houvesse um aumento relevante da inflação, uma mudança abrupta da taxa de juros ou uma queda significativa da atividade econômica. Também não parecem ter analisado a possibilidade de intervenções arbitrárias nas regras de mercado por parte do governo ou do Judiciário.

A arbitrariedade e a volatilidade são recorrentes no Brasil. E a parcela do setor privado que não se atenta para isso está fadada a sofrer severamente. Melhor se preparar para tempestades, mesmo em tempos de bonança, o que, nem de longe, é o caso agora.

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