Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Não é mais o momento de votar reformas constitucionais complexas

Governo atual caminha para o último ano de mandato, com popularidade desgastada. No Congresso, é refém do centrão

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Reformas econômicas eficazes costumam afetar interesses organizados, que a elas resistem. Por isso, tendem a ser mais bem-sucedidas em início de mandato, quando o presidente está com cacife político alto.

O governo atual caminha para o último ano de mandato, com popularidade desgastada. No Congresso, é refém do centrão. Mesmo assim insiste em duas reformas complexas: tributária e administrativa.

Não é mais o momento. A aprovação pode custar caro, e as reformas sairão distorcidas, gerando ineficiência e custo econômico por década à frente. Podem agravar o que se quer melhorar.

Eventos recentes são eloquentes. A tão sonhada privatização da Eletrobras virou um festival de captura de recursos públicos e de distorções da política energética. Conseguiu a proeza de fazer defensores históricos da privatização pedirem a interrupção do processo. Se aprovada, empobrecerá o país.

A PEC Emergencial entregou quase nada em termos de ajuste fiscal, mas custou R$ 16 bilhões em emendas parlamentares. O Congresso recriou a emenda de relator, demonstrando a fraqueza do Executivo no Parlamento, confirmada pelos vetos presidenciais, derrubados como moscas.

Insistir em reforma tributária trará resultados que nada têm a ver com reforma: um novo Refis, aumento na faixa de isenção do Imposto de Renda e a CPMF. Além disso, será aberto o leilão das alíquotas favorecidas e tratamentos especiais. A reforma administrativa já saiu do Executivo protegendo magistrados, parlamentares e os atuais servidores. É grande a chance de militares, policiais e outros grupos bem organizados terem privilégios blindados na constituição.

Uma vez criados, distorções e privilégios se eternizam. Melhor esperar mais um ano, para que o governo empossado em 2023 retome as discussões.

A história recente oferece exemplo bem-sucedido de como mudar a agenda de reformas em resposta à fragilização do Executivo ante o Congresso. Em maio de 2017, a reforma da Previdência estava prestes a ser aprovada. Denúncia contra o presidente Temer desestabilizou o ambiente político. Insistir com a Previdência naquele momento teria sido um erro.

Mudou-se o foco para outras reformas. Aprovaram-se a mudança nos juros do BNDES (TLP), o cadastro positivo, a duplicata eletrônica e o novo Fies. O tema da Previdência não morreu e foi retomado no início do atual governo.

Recentemente também houve reformas bem-sucedidas. Importante entender as condições que as viabilizaram.

A autonomia do Banco Central foi aprovada depois de décadas de resistência ideológica, que diminuiu diante do menor número de parlamentares de esquerda no atual Congresso.

O marco regulatório do saneamento ganhou impulso quando se percebeu que, em plena pandemia, as pessoas não tinham água em casa para lavar as mãos. A histórica resistência unida dos governadores foi quebrada, que reconheceram o esgotamento do modelo anterior e anteviram ganhos fiscais com as privatizações. Os sindicatos dos servidores das estatais encontraram menos apoio político em um Congresso centrista.

A lei do gás avançou porque a principal beneficiária do modelo anterior, a Petrobras, decidiu sair desse mercado, até porque já havia sido instada pelo Cade a fazê-lo.

O aperfeiçoamento da lei de falências se impôs, diante dos estragos econômicos da Covid.

Essas experiências exitosas têm características comuns: seus detalhes foram tratados intensamente no nível técnico, contaram com o apoio de um núcleo relevante de parlamentares, segmentos empresariais se uniram em torno de um texto de consenso, as resistências estavam enfraquecidas.

E mesmo assim não foi fácil aprovar cada uma delas. Em vários momentos em que estiveram sob o risco de sair de controle --como ocorre agora com a Eletrobras-- a matéria foi retirada de pauta, até que voltasse a haver segurança na discussão.

Nenhuma delas foi PEC, que tem quórum elevado e por isso custa mais caro. Além de não poder ser vetada, depois de aprovada.

A única serventia atual do debate de reformas complexas é manter o Congresso ocupado, sem espaço para inventar a própria pauta, o que poderia ser ainda pior. O risco é aprovarem alguma coisa.

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