Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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É alta a chance de gastarmos muito mais que o aprovado pela PEC Emergencial

Freio a aumento de gastos tem sido dado por reações do mercado

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A pandemia tem se agravado em decorrência da má gestão da crise sanitária, em especial do descuido com a vacinação. Isso trava a atividade econômica, que, somada a erros como a intervenção na Petrobras, derruba as perspectivas de crescimento. A instabilidade política joga o dólar para cima, causa inflação e aumenta a pobreza.

Essa espiral negativa acabou levando à necessidade de atender os mais pobres com nova rodada de auxílio emergencial. Teria sido mais barato e eficaz trabalhar pela vacinação, preservar a estabilidade jurídica, redesenhar programas sociais e fazer menos bravata política. Mas o leite já está derramado, resta minorar as perdas com o auxílio.

Plenário da Câmara dos Deputados durante votação dos destaques da reforma da Previdência - Pedro Ladeira - 7.ago.2019/Folhapress

Foi proposto, então, um acordo ao Congresso: aprova-se uma PEC suspendendo as regras fiscais (teto de gastos, regra de ouro, Lei de Responsabilidade Fiscal) para permitir pagar o auxílio em 2021. Em contrapartida, a PEC promoveria reformas estruturais que viabilizariam um ajuste fiscal no futuro.

Proposta razoável: gasta-se mais agora, reequilibra-se no futuro.

Todavia, o fato de o acordo ser implementado por meio de PEC encerrava um risco elevado. Emenda constitucional é um instrumento poderoso: em vez de reforçar as regras fiscais, a PEC poderia desmontar essas regras e inscrever novos disparates na Constituição.

A nossa economia política, que gera forte pressão por aumento de gastos, quase permitiu que o risco se materializasse integralmente. Por pouco o teto de gastos não foi desmontado, com apoio do presidente da República.

Ainda que se tenha evitado o desastre maior, e que tenha sido possível colocar um limite máximo de gastos na PEC (R$ 44 bilhões), houve desidratação extrema das medidas de ajuste fiscal futuro.

Ao final, o governo obteve uma desvinculação de saldos de fundos públicos, que vai permitir abater dívida pública em algo como R$ 100 bilhões. Também ficou desobrigado de financiar o pagamento de precatórios de estados e municípios.

Criou-se um mecanismo preventivo para casos de decretação de calamidade pública, no qual medidas automáticas de contenção de gastos serão acionadas. Talvez não tenha sido bom negócio: a simples existência do mecanismo gerará a tentação de usá-lo com frequência. Ademais, quando decretada, a calamidade abrirá portas para gastos muito superiores ao montante de despesa que ficará sob restrição.

Os mesmos gatilhos serão acionados em caso de crescimento excessivo das despesas obrigatórias. Mas colocou-se um limite tão alto que, quando o mecanismo for ativado, a situação já estará para lá de grave.

Foram constitucionalizados diversos benefícios tributários, que antes poderiam ser removidos por lei ordinária e agora só podem ser extintos por uma nova PEC.

Governadores e prefeitos tiveram mais sorte: ganharam gatilho de controle de despesa mais eficaz que o federal, instrumentos para limitar os gastos dos demais Poderes e a inclusão dos pensionistas dentro do conceito de despesa de pessoal.

Há quem fique contente porque a autorização se limita ao pagamento do auxílio, não incluindo outros programas, e tem teto de R$ 44 bilhões. Mas o jogo ainda não acabou. O Orçamento de 2021, ora em discussão, está sob forte pressão por aumento de emendas, investimentos e descompressão das verbas de custeio.

Basta decretar o estado de calamidade, previsto na nova PEC, que as portas se abrirão para gastos sem limite: os R$ 44 bilhões ficarão na poeira.

O Congresso também pode produzir um Orçamento irrealista, subestimando as despesas obrigatórias, para abrir espaço para os seus gastos. No segundo semestre, a pressão da realidade reabriria a discussão sobre flexibilização.

O presidente da República, sua equipe político-militar, os representantes das corporações e dos interesses específicos no Congresso. Todos querem gastar mais para atender seus nichos, com programas que raramente chegam aos mais pobres.

O freio tem sido dado por reações do mercado. O que não é suficiente. A cada estresse o dólar, o juro e a inflação se estabilizam em patamar mais alto, e o crescimento míngua.

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