Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Argumentos inconsistentes dão suporte a políticas públicas ruins

É preciso que universidades e avaliadores esmiúcem programas em andamento e propostas em discussão

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Um jornal habitualmente preocupado com o bom uso do dinheiro público estampou a seguinte manchete na quinta-feira (18): "Alívio de encargos para setores que mais empregam avança". Referia-se à aprovação, pela Câmara, do projeto de lei que prorroga a "desoneração da folha de pagamentos", benefício fiscal para 17 setores da economia.

A reportagem elogiosa não se deu ao trabalho de mencionar os argumentos contrários ao projeto. A imprensa, que está entre os beneficiários, tem dado esse tratamento à questão.

Como já escrevi várias vezes neste espaço, cada emprego gerado pela desoneração da folha tem alto custo fiscal, e seu principal efeito é aumentar a margem de lucro das empresas. Também aumenta o custo administrativo para pagamento e fiscalização tributária, contribuindo para o famoso "custo Brasil". Diversos estudos bem fundamentados demonstram que os custos para a sociedade superam os benefícios. O mais recente é o de Baumgartner, Corbi e Narita.

Cédulas de real - Gabriel Cabral - 21.ago.2019/Reuters

No debate público, contudo, o que tem prevalecido é a versão, não os fatos. Sempre que há ganhos para grupos de interesse bem articulados, as propostas avançam, embaladas por narrativas poucos consistentes sobre a criação de milhares de empregos, preservação do ambiente, redução da pobreza ou estímulo à inovação. Pouco importa a qualidade dos argumentos.

Nesta semana, a Câmara também aprovou a inclusão dos caminhoneiros como microempreendedores individuais. O MEI é exaltado, nos discursos e versões, como um instrumento de formalização e inclusão de trabalhadores pobres: pagando pouco mais de R$ 50 por mês, os participantes têm acesso a todos os benefícios da Previdência Social. Fora do MEI, um trabalhador autônomo paga mais que o dobro: R$ 121.

O primeiro problema é que boa parte do subsídio é dada a quem não é pobre. O acesso ao MEI é permitido a quem tem renda bruta de até R$ 6.700 por mês, enquanto a renda média do trabalho, medida pela Pnad-Contínua, está em torno de R$ 2.500. No caso dos caminhoneiros, o limite de acesso foi aumentado para R$ 21 mil por mês. Ansilieiro e Costanzi estimam que apenas 16% dos participantes do MEI estejam entre os 50% mais pobres da população. O valor presente do déficit atuarial dessa modalidade —a ser pago por todos os brasileiros— é de pelo menos R$ 436 bilhões, nos cálculos de Costanzi e Sidone, em estudo ainda não publicado.

A prevalência da versão sobre os fatos está por toda parte. Os defensores da Zona Franca de Manaus, por exemplo, têm argumentado que ela é essencial para reduzir o desmatamento da Amazônia. Desconheço estudo com padrão metodológico e estatístico minimamente aceitável que comprove a informação.

Uma estimativa patrocinada pela Suframa encontrou que, "a cada aumento de 1% na população ocupada na atividade industrial da ZFM, observou-se uma contração de 0,006% no desmatamento no estado do Amazonas". A confiar no resultado, se dobrarmos o tamanho da ZFM, ao custo anual de R$ 30 bilhões por ano, vamos reduzir o desmatamento em 0,6%. Certamente há meios mais baratos e eficazes.

O programa Rota 2030, de subsídio à indústria automobilística, dá benefícios a título de estimular investimentos em tecnologia. Ignora que as grandes multinacionais concentram as inovações nas suas sedes mundiais. O que resta é apenas aumento de margem de lucro e proteção comercial contra veículos importados, que não têm o mesmo benefício.

O programa Renovabio é vendido como uma espécie de mercado de carbono nacional, com impacto positivo na preservação ambiental. Nada mais é, contudo, que uma taxação dos combustíveis fósseis cuja arrecadação é transferida aos usineiros. Tem o mesmo efeito de uma tributação via Cide, só que o dinheiro não vai para o Tesouro. A Cide pode ser rapidamente reduzida em momentos de alta da gasolina, já o ganho dos usineiros fica mais difícil de cortar. Há dezenas de outros exemplos de versões se sobrepondo aos fatos. Para que esses tenham alguma chance de orientar as políticas públicas, as avaliações técnicas precisam ganhar espaço.

Felizmente o Ministério da Economia tem avançado nessa área. Mas é pouco: é preciso uma rede de universidades e de avaliadores independentes, que esmiúcem os programas em andamento e as propostas em discussão.

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