Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Descrição de chapéu inflação juros

Propostas inconsistentes ao sistema fiscal podem custar caro

O pacote anunciado pelo Ministério da Fazenda é insuficiente para frear a deterioração fiscal

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Na última terça-feira (7), André Lara Resende publicou no Valor Econômico artigo sob o título "O precipício fiscal e a realidade", no qual argumenta que não existe um problema fiscal grave no Brasil. O mercado financeiro estaria exagerando para manter os juros altos e, com isso, "premiar os rentistas".

Seu primeiro argumento é o de que os números fiscais do ano passado foram muito bons: superávit de 1,3% do PIB e queda da dívida pública bruta. Ignora, contudo, que os fatores que levaram ao superávit de 2022 dificilmente estarão presentes em 2023.

No Governo Federal, a receita bruta de 2022 cresceu em R$ 208 bilhões na comparação com 2021. O principal ganho foi na soma de Imposto de Renda e CSLL (R$ 137 bilhões), graças ao bom desempenho do PIB (em torno de 3%) e aos altos lucros de empresas ligadas à exportação de commodities.

Trem descarrega milho no terminal portuário de Santos (SP) para exportação - Eduardo Knapp - 21.ago.20/Folhapress

Em 2023, o crescimento do PIB será menor que 1%. E nada podemos prever sobre os preços das commodities, pois não o influenciamos. Logo, estamos dependentes de um fator de risco que não controlamos e que também comandou o bom desempenho da receita decorrente de exploração de recursos naturais (crescimento de R$ 30 bilhões).

Outra fonte de crescimento da receita (R$ 40 bilhões) foi o pagamento de dividendos e participações das empresas estatais ao Tesouro. Isso também não se repetirá, pois o novo governo anunciou que diminuirá o pagamento de dividendos para aumentar os investimentos das estatais.

Por outro lado, desonerações tributárias dos combustíveis e do IPI derrubaram as demais receitas em R$ 68 bilhões. O novo governo não parece disposto a revogá-las.

Do lado da despesa, os itens que contribuíram para o superávit de 2022 foram o reajuste do salário mínimo sem aumento real e a não concessão de reajustes ao funcionalismo. O novo governo já estabeleceu que dará aumento real ao mínimo e aos servidores, afetando a trajetória do gasto vários anos à frente. Em cima de tudo isso ainda vieram duas PECs (transição e piso da enfermagem) e uma superestimativa de correção do teto que adicionaram R$ 200 bilhões à despesa primária.

O pacote anunciado pelo Ministério da Fazenda é insuficiente para frear a deterioração fiscal, como argumentei em coluna anterior.

Lara Resende ignora essa mudança de cenário e prossegue com seu segundo argumento: "A dívida pública brasileira não é alta. É muito mais baixa que a dos países desenvolvidos e em linha com os países em desenvolvimento".

Ora, países desenvolvidos podem se endividar mais a juros mais baixos porque têm moeda conversível e inflação menor e menos volátil que a dos emergentes, além baixo histórico de default de dívida. Em relação aos países em desenvolvimento, ao contrário do que afirma, estamos muito acima da média. Nossa dívida bruta no critério do FMI é de 88,2% ante uma média de 65,1%.

Em seguida, há o tradicional argumento de que dívida pública não é problema quando o país deve na própria moeda. Ignora que calotes da dívida ou sua corrosão inflacionária são um risco real para poupadores brasileiros e estrangeiros.

Afirma, também, que as taxas de longo prazo são fixadas pelo mercado com base na projeção da taxa de curto prazo (a Selic) definida pelo BC. Isso é incorreto. Toda vez que o BC puxou excessivamente para baixo o juro de curto prazo (Selic), os juros longos não acompanharam ou até subiram, porque o que os determina é o risco inflacionário e de default. O BC não controla isso.

Lara Resende sugere que "se quisesse, o BC poderia fixar toda a estrutura a termo das taxa da dívida (...) e acabar com as pressões alarmistas". Isso equivaleria a um tabelamento de juros dos títulos públicos abaixo das taxas de mercado. Quem tivesse dinheiro para aplicar o faria em ativos privados ou no exterior. Não tardaria a reação do governo, com medidas de aplicação compulsória em títulos públicos. Viriam, em seguida, fuga de capitais, desvalorização cambial e inflação.

Na quinta-feira (9) já tivemos um aperitivo: o Tesouro suspendeu a negociação de títulos devido à forte alta nos juros futuros, em reação aos discursos do presidente.

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