Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Descrição de chapéu PIB juros inflação

Limite para a dívida ou para a despesa?

Regra fiscal que imponha limite à dívida pública é uma má escolha

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Marcos Mendes

Doutor em economia. Pesquisador associado do Insper. Organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

Thais Vizioli

Mestre e doutoranda em economia. Auditora Federal de Finanças e Controle, da Secretaria do Tesouro Nacional

Está em curso a discussão de uma nova regra fiscal, que substitua o teto atual, já fragilizado por diversas alterações recentes. Muitas propostas estão surgindo. Dado que o tema envolve detalhes técnicos, propostas que são muito distintas entre si acabam sendo interpretadas como similares.

Uma questão essencial é que uma regra de limite para a dívida pública é muito diferente de uma regra de limite para a despesa que use como referência a dívida pública.

No primeiro caso, a lei imporia um limite diretamente à dívida, dizendo que ela não pode ultrapassar um determinado valor ou percentual do PIB. No segundo caso, não há um limite legal para a dívida. O limite é imposto à despesa anual, como no atual teto de gastos.

Nesse segundo caso, a dívida seria usada apenas como uma referência para se determinar a intensidade do controle da despesa: se a dívida está alta ou crescendo mais que o PIB, o limite de despesa será mais restritivo. Se a dívida está caindo ou já está baixa, o limite de despesa pode ser afrouxado.

Impor limite diretamente à dívida é uma opção inferior a limitar a despesa.

Em primeiro lugar, porque o controle que o governo tem sobre a dívida é menor que o que ele tem sobre a despesa. A dívida pode aumentar de uma hora para outra em função de uma decisão judicial contrária à União, por exemplo. Isso pode fazer a regra ser descumprida sem que o governo tenha tempo e instrumentos para reagir e compensar o choque negativo.

Todo ano vota-se o orçamento e decide-se o tamanho da despesa. O mesmo não vale para a dívida, que está sujeito a fatores não controlados, como a oscilação dos juros e os "esqueletos" fiscais.

Em segundo lugar, a dívida é afetada pela política monetária. Se for necessário subir juros para controlar a inflação, a dívida vai crescer mais rápido. Assim, se houver um limite legal para a dívida, ou este limite poderá ser descumprido, ou haverá restrição à política monetária, com incentivos para pressionar o Banco Central a manter juros sempre abaixo daquele necessário para atingir a meta de inflação.

Em terceiro lugar, há diferentes conceitos de dívida pública, e nenhum deles está imune a ser afetado por operações que não representam melhoria ou piora fiscal. Por exemplo, em alguns conceitos de dívida, limitá-la pode dificultar a formação de um colchão de liquidez da dívida mobiliária, o que tornará mais cara e arriscada a sua rolagem.

Situações esdrúxulas podem ocorrer: uma deterioração fiscal pode levar a uma desvalorização cambial. Ela aumenta o valor em reais das reservas cambiais do BC, o que diminui a Dívida Líquida do Setor Público. Ou seja: uma piora da gestão fiscal pode aumentar o espaço para o governo se endividar.

A Covid-19 e as recentes alterações no arcabouço fiscal nos mostraram que a flexibilidade é característica desejável às regras fiscais. A possibilidade de crescimento da despesa, quando a dívida está em nível e trajetória seguros, dá flexibilidade à regra sem desassociá-la do objetivo de manter a dívida sob controle.

Trata-se de um mecanismo de ajustamento automático da política fiscal, que também evita que o ajuste fiscal seja feito nos momentos de crise (pró-cíclicos), ao gerar, automaticamente, uma poupança nos períodos de maior crescimento econômico, em que as receitas crescem mais fortemente.

Não por acaso, regras de despesas têm sido cada vez mais adotadas ao redor do mundo, prevalecendo em três quartos das economias avançadas, de acordo com o FMI. Ao passo que a dívida tem sido utilizada cada vez mais como âncora e cada vez menos como limite, visto que estes foram frequentemente revistos, suspensos ou abandonados em países que o adotaram.

As opiniões expressas são exclusivamente dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos órgãos a que foram ou são vinculados.

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