O novo arcabouço fiscal exigirá forte aumento de receitas, para bancar despesas altas e crescentes. Nas contas que fiz com coautores, precisaríamos chegar a 2027 com receita líquida quase R$ 290 bilhões acima da atual, em valores de 2023. Isso é mais do que, por exemplo, a arrecadação anual da Cofins (R$ 277 bilhões em 2022).
O Ministério da Fazenda lançou uma cruzada por receitas, focando na redução de privilégios e brechas legais. A princípio, uma boa ideia: ganha-se receita, reduz-se a desigualdade e diminuem-se os incentivos à má alocação de capital, que prejudicam o crescimento.
Parece temerário, porém, usar essa estratégia para fechar as contas já no curto prazo, em montante elevado, sabendo-se das barreiras políticas e jurídicas que precisarão ser vencidas antes que o dinheiro flua para o Tesouro.
Dos R$ 456 bilhões de gastos tributários, sempre lembrados como possíveis alvos de corte, quase 70% são politicamente intocáveis, com itens que vão da Zona Franca de Manaus às isenções para igrejas. Tentativas recentes, como as de encerrar a desoneração da folha de pagamentos e o regime especial da indústria química, foram seguidas vezes derrubadas pelo Congresso. Até emenda constitucional determinando redução de benefícios tributários já foi aprovada, e nada mudou.
Há uma aposta grande em reduzir a dedução de benefícios fiscais do ICMS quando da tributação da CSLL e IRPJ. O governo teve vitória parcial no STJ. Porém, como mostra reportagem no Valor Econômico de 5/5/23, há espaço para embargos e uma possível necessidade de aprovação de lei, que não será fácil devido à resistência da bancada do Nordeste, onde se concentram os benefícios.
Os valores anuais inicialmente citados na imprensa, de R$ 90 bilhões, já encolheram para R$ 47 bilhões. As brechas deixadas por decisão judicial podem fazer os contribuintes e governos estaduais mudarem o tipo de incentivo concedido, para continuar escapando do fisco federal, minguando ainda mais a receita.
A tributação de fundos de investimento exclusivo pelo chamado "come cotas" já foi tentada em 2017, mas a medida provisória foi engavetada. A regulamentação dos sites de apostas esportivas será dificultada pela abertura de uma CPI sobre manipulação de resultados de jogos.
Uma batalha foi parcialmente vencida, com a aprovação, na Câmara, da MP 1.147, que mudou a forma como se calcula o desconto do ICMS no cálculo do PIS e Cofins. O alegado potencial de arrecadar é da ordem de R$ 60 bilhões por ano.
O custo, contudo, veio sob a forma de confirmação, na mesma MP, da alíquota zero de PIS, Cofins e IRPJ para empresas de eventos por cinco anos (R$ 4 bilhões/ano); zeragem de PIS e Cofins para empresas de aviação até 2026 (R$ 500 milhões/ano) e renovação de benefício tributário às Santas Casas. A MP também criou um subsídio creditício para financiamentos do BNDES a atividades de inovação que, no fim do dia, representará menos dinheiro no FAT para pagar o abono salarial e o seguro-desemprego.
Lançar-se em busca de ganho expressivo de receita, sem contar com uma base sólida no Congresso, já é difícil. Pior ainda quando o próprio governo resolve conceder novos benefícios.
Ao anunciar a recente correção da tabela do Imposto de Renda (perda anual de R$ 4,8 bilhões), o presidente da República prometeu que, até 2026, a isenção alcançará quem ganha até R$ 5.000 (perda anual superior a R$ 60 bilhões). Ele também defendeu a não tributação da participação dos empregados nos lucros das empresas (perda de R$ 4 bilhões ao ano).
O governo propôs um aumento de tributação de investimentos no exterior para compensar a correção da tabela do IR. Porém, tem sido prática comum no Congresso descartar as medidas compensatórias e aprovar apenas a redução tributária.
Outros programas de incentivo estão sendo renovados ou criados. A indústria automobilística tem sido atendida com a renovação do Rota 2030 (R$ 4,5 bilhões/ano), o incentivo à troca de veículos velhos por novos e, agora, discute-se a ressurreição dos incentivos fiscais ao "carro popular". As indústrias de semicondutores e de painéis solares já ganharam novo benefício, ao custo de R$ 600 milhões/ano.
O risco de a conta não fechar é grande.
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