Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Marcos Mendes

O conteúdo nacional da saúde pública

Protegendo o SUS ou os fornecedores do SUS?

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Na minha última coluna argumentei que as políticas de conteúdo nacional empobrecem o país. A substituição de importações por produção nacional subsidiada destrói as oportunidades de criação de novos negócios e empregos, e contribui para nossa mediocridade econômica.

No rascunho daquela coluna, eu concluía com a seguinte frase: "imaginem se tivéssemos esperado a produção de uma vacina 100% nacional para iniciar o combate à Covid!". No momento de enviar o texto para o jornal, resolvi cortar a frase. Achei exagerada. Eu estaria misturando debates diferentes: milhares de mortes foram causadas pelo atraso na importação da vacina por negacionismo quanto à eficácia do imunizante, nada a ver com política de conteúdo nacional.

Três dias após à publicação daquela coluna, o jornal O Globo publicou: "Dengue: Ministério da Saúde prioriza indústria nacional, e vacina não deve chegar ao SUS neste ano". Na matéria, o Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Ministério da Saúde declarava que "a prioridade é fortalecer a produção nacional também no caso da vacina da dengue". Por isso, a importação do imunizante japonês seria submetido a um lento processo interno de avaliação.

Enfermeiro mostra dose de vacina para mulher idosa
Vacinação contra a Covid para idosos a partir de 77 anos na UBS Jardim Aeroporto, na zona sul de São Paulo - Rivaldo Gomes - 3.mar.21/Folhapress

Trata-se de deixar brasileiros morrerem ou sofrerem as dores e sequelas da doença, em nome de se buscar uma tecnologia nacional. Como registrado em editorial da Folha, na última década foram 9,5 milhões de casos e 5,4 mil mortes. Perda de vidas, sofrimento dos doentes, custos econômicos por trabalhadores inativos, sobrecarga dos hospitais públicos.

A notícia pegou mal, e o mesmo secretário voltou à imprensa para declarar que "o Brasil tem interesse em produzir nacionalmente essa vacina, mas que isso não impede a compra do insumo pronto do laboratório Takeda [...] Em nenhum momento o Ministério da Saúde se colocou contrário, em caso de necessidade da população, a importar vacinas que tenham qualidade, eficácia e segurança para as pessoas".

Até que ponto esta posição mais razoável é real ou mera manobra tática? Outras movimentações do governo não dão motivo para otimismo. Na renegociação do acordo comercial com a União Europeia, um ponto central tem sido vedar a participação de empresas estrangeiras nas compras governamentais do setor de saúde. O UOL noticiou que, com isso, "a indústria nacional seria favorecida" e que "dentro do governo, o temor é de que os europeus encontrem vasta facilidade para ficar com contratos em enormes licitações abertas nos próximos anos".

Ora, se empresas estrangeiras terão facilidade para ganhar as licitações, é porque oferecerão produtos mais baratos e melhores, em benefício do SUS e de seus usuários. O mais curioso é que a medida protecionista tem sido anunciada a título de "proteger o SUS". Proteger o SUS ou proteger os fornecedores nacionais do SUS?

Há décadas repetem-se casos de cartéis e fraudes nas vendas de insumos médicos ao governo como, por exemplo, nos casos de órteses e próteses, gases hospitalares ou medicamentos antirretrovirais. Já nos esquecemos do escândalo dos sanguessugas e suas ambulâncias superfaturadas? Não deve ser coincidência o fato de que controlar o Ministério da Saúde está no topo da lista dos interesses políticos fisiológicos.

Abrir o mercado de fornecimento ao SUS para empresas estrangeiras eleva a competição e coloca no mercado empresas sujeitas a regras de conformidade em seus países de origem. Tudo isso diminui riscos de manipulação e corrupção.

É verdade que não podemos ser totalmente dependentes do exterior em alguns insumos estratégicos, e que vale a pena estimular a produção de alguns itens no país. Mas isso justifica a meta de ter 70% de todos os medicamentos, equipamentos e vacinas que abastecem o SUS produzidos no Brasil? De onde saiu esse número exagerado? Quais os estudos que o justificam? Qual o custo e a viabilidade? Não haveria estratégia mais inteligente de cooperação científica e comercial com outros países, focada em itens essenciais?

Ou será que mais uma vez estamos vendo o casamento do nacionalismo com interesses inconfessáveis?

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