Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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A realidade dos números se impõe

Governo vinha adiando reconhecer aumento de despesas e queda de receitas

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Foi divulgado nesta quarta-feira (22) o quinto e último relatório bimestral de receitas e despesas primárias. Ao analisar as avaliações bimestrais anteriores, sempre enfatizei que os números da despesa estavam subestimados e os da receita superestimados, e que, à medida que chegássemos ao final do ano, o último relatório se aproximaria da realidade, abandonando as premissas pouco realistas.

Ao analisar o relatório anterior (4º relatório bimestral), que previa um déficit primário de R$ 141,5 bilhões (1,3% do PIB), argumentei que o número real estaria mais próximo de 1,9% do PIB. É exatamente este o número que o 5º relatório bimestral está trazendo.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) em entrevista coletiva sobre o Orçamento de 2024 - Adriano Machado - 31.ago.2023/Reuters

Era de se esperar uma estratégia de antecipar despesas e postergar receitas, piorando o resultado de 2023 para facilitar a execução orçamentária de 2024, visto que a meta de déficit zero para 2024 é desafiadora e está sob os holofotes do debate político e econômico, ao passo que a meta de 2023 é alargada e comporta aumento do déficit.

Além de redução de quase R$ 6 bilhões na estimativa de receita de PIS, Cofins, CSLL e IR, decidiu-se jogar para o ano que vem uma receita de transferência de depósitos judiciais da Caixa Econômica para o Tesouro, de R$ 12,6 bilhões.

Por outro lado, optou-se por pagar neste ano um apoio financeiro a estados e municípios que, por lei, poderia ser, em parte, pago em 2024.

Além disso, foi incluída na despesa uma transferência adicional de R$ 4 bilhões ao FPE (Fundo de Participação dos Estados) e ao FPM (Fundo de Participação dos Municípios) que há muito já estava decidida por lei, mas que o governo tardava a colocar nas contas.

Como já previsto, o Banco Central, em respeito ao padrão contábil internacional, não aceitou registrar como receita primária a transferência de recursos do PIS/Pasep para o Tesouro (R$ 26 bilhões). Por isso há uma discrepância estatística entre o resultado calculado pelo Tesouro, que inclui esse montante como receita primária, e o resultado calculado pelo BC, que o desconsidera.

Como o valor oficial do déficit primário é o calculado pelo BC, finalmente reconheceu-se que o déficit é R$ 26 bilhões maior que o que vinha sendo anunciado.

Sempre se pode contar com o empoçamento de recursos que, apesar de autorizados, não são gastos. Isso ajuda a reduzir o déficit no fim do ano. O Tesouro estima que sejam R$ 30 bilhões. Contudo, temos de levar em conta que há um represamento de precatórios devidos no ano e que não estão sendo pagos, e que também têm um valor aproximado de R$ 30 bilhões. Assim, o "déficit efetivo" —considerando os precatórios que deveriam ser pagos este ano— ficaria mesmo em 1,9% do PIB.

Note-se que no parágrafo anterior não estou me referindo ao estoque total de precatórios não pagos desde 2021, que deve estar se aproximando de R$ 100 bilhões e que o governo pretende pagar ainda em 2023. Refiro-me tão somente à parte deste estoque que foi inscrita em 2023.

Se não for considerado o montante de R$ 30 bilhões de precatórios devidos e não pagos, e considerado o empoçamento, o déficit fica em R$ 178 bilhões (1,7% do PIB). Ainda muito longe dos 0,5% do PIB prometidos pelo governo no início do ano ou de 1% do PIB, que as autoridades fiscais passaram a mirar a partir do meio do ano.

O resultado seria ainda pior se o governo não tivesse recebido uma forcinha do TCU (Tribunal de Contas da União), que aceitou que o aumento de despesa obrigatória com saúde, na casa de R$ 20 bilhões, decorrente do fim do teto de gastos, fosse postergado para 2024.

Por fim, ressalte-se que com uma meta oficial de déficit de R$ 214 bilhões, e um déficit de R$ 178 bilhões, resta um espaço de apenas R$ 36 bilhões para pagamento do estoque de quase R$ 100 bilhões de precatórios atrasados. Será preciso criar uma exceção à meta de primário ou se insistirá na equivocada tese de pagar precatórios como se fosse despesa financeira, bagunçando mais a credibilidade dos critérios contábeis.

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