Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Não foi por falta de aviso

Problema fiscal do país é despesa alta e crescente, e não receita baixa

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O presidente Lula anunciou que o governo não vai cumprir a meta de déficit primário zero em 2024. Essa desistência abala a credibilidade do "novo arcabouço fiscal" e traz consequências negativas reais para a economia: juros e inflação para cima, crescimento para baixo.

Não foi por falta de aviso. Logo que foi proposto o arcabouço, publiquei com coautores vários artigos mostrando as inconsistências da nova regra. Ver, por exemplo, "Regra fiscal: uma avaliação preliminar", "Regra fiscal: novas considerações", "Despesas obrigatórias comprometem o arcabouço fiscal" e "Arcabouço fiscal: não se trata de pessimismo". Todos disponíveis online.

O presidente Lula comanda reunião com os ministros da área de infraestrutura do governo nesta sexta-feira (3) - Pedro Ladeira/Folhapress

O modelo do arcabouço foi: "pode aumentar a despesa à vontade, que depois a gente consegue a receita pra pagar". No mínimo, arriscado. A despesa já aumentou, e agora chegou o momento de conseguir a receita.

No lado da despesa, aprovou-se a PEC (proposta de Emenda à Constituição) da transição com aumento de gastos de quase 2% do PIB (Produto Interno Bruto) e a lei de aumento real do salário mínimo. Foi lançado o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a despesa com o Bolsa Família quase duplicou, a despesa mínima com saúde e educação previstas para 2024 é R$ 60 bilhões maior que a de 2023.

Os números oficiais indicam que a despesa primária de 2023 crescerá 8,5% acima da inflação, em relação a 2022. Estão contratados aumentos adicionais para 2024 e os anos seguintes.

Do lado da receita, foram feitas projeções otimistas, e fixadas metas arrojadas de redução do déficit. À medida que o otimismo não vira realidade, o governo vai mudando a meta. No começo do ano, a meta de déficit de 2023 era de 0,5% do PIB. De uma hora para outra, as autoridades fiscais passaram a falar em 1%. E nem isso conseguirão. Agora que 2024 está chegando, derruba-se a meta de 2024.

O ministro da Fazenda Fernando Haddad diz que a dificuldade de cumprir a meta vem da queda da receita. Mas não está havendo queda na tendência de médio prazo da receita. De janeiro a setembro de 2023 arrecadou-se, em termos reais, 7,5% a mais que no mesmo período de 2021 e 15% a mais que no mesmo período de 2019.

Está havendo sim uma queda em relação a 2022, que foi um ano de receita excepcionalmente alta, devido aos bons preços das commodities. Era sabido que esse nível não se manteria. Acreditar que seria possível aumentar ainda mais a receita, a partir do nível de 2022, foi otimismo excessivo.

O ministro argumenta, ainda, que a suposta queda de receita viria de ampliações de benefícios fiscais concedidas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e pelo Congresso. Mas essas foram decisões tomadas cinco anos atrás. Seus efeitos sobre a receita já eram conhecidos quando o governo fez o plano fiscal.

O ministro subestimou a dificuldade de mudar essa realidade e, por isso, acho que não tinha problema gastar mais, porque recuperaria a receita. Nosso problema fiscal é, e sempre foi, a despesa rígida, alta e crescente, e não a receita baixa.

Em breve, outra inconsistência do arcabouço vai aparecer. O crescimento anual da despesa tende a ficar acima do limite máximo de 2,5% acima da inflação.

Lula, que esconjurou o teto de gastos, criou o seu próprio teto. Tudo indica que não pretende cumpri-lo. Quando isso acontecer, a mudança da meta de resultado primário não será suficiente. Vai ser preciso mudar também o limite de despesa.

Nenhuma novidade. Em 25/2/2022, publiquei neste espaço coluna com o título irônico "Em defesa do Governo Dilma", mostrando que o desarranjo fiscal que nos levou à grande crise de 2014 começo ainda no governo Lula 1. O Lula da Carta ao Povo Brasileiro não durou três anos. Samuel Pessôa fez argumento similar na sua última coluna nesta Folha.

O presidente e o PT não entendem a importância de controlar a dívida pública. Apresentam regras fiscais que não pretendem cumprir porque o mercado exige essa coisa exótica, que nada teria a ver com a realidade da economia. Então basta empurrar um número qualquer que a turma engole. Quando a realidade aparece, mudam-se os números.

Lula já deu a senha no seu pronunciamento que derrubou a meta: "nós sabemos que o ano que vem se apresenta como um ano difícil (...) não vamos ficar parados esperando que notícias ruins aconteçam". Vem mais mudança de metas e regras por aí.

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