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Meta fiscal foi alterada em 14 dos 23 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal

Haddad sofre pressão de integrantes do governo e do PT para flexibilizar alvo de 2024, que prevê déficit zero

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Brasília

Com o adiamento para 2024 do debate sobre a meta fiscal, ganha força no governo a possibilidade de alteração do alvo para as contas públicas em março. Não seria a primeira vez que uma mudança ocorreria em meio à execução do Orçamento.

A revisão da meta fiscal figura como solução frequente adotada por diferentes governos desde a aprovação da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Ao longo de 23 anos, houve mudança do alvo perseguido pela política fiscal em 14 exercícios, em geral para autorizar um desempenho das contas pior do que o inicialmente prometido.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fala com jornalistas após palestra na sede da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo - Zanone Fraissat - 25.set.23/Folhapress

As estratégias foram as mais diversas e incluíram desde a alteração do número a ser alcançado até o desconto de valores relacionados a investimentos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ou desonerações —expediente criticado por economistas no passado por comprometer a credibilidade da própria meta fiscal.

Ao apresentar o novo arcabouço fiscal, Haddad sinalizou a intenção de zerar o déficit já em 2024, objetivo reconhecido como "ambicioso" pelos próprios integrantes do Executivo.

Para alcançar o alvo, fixado na proposta de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) enviada pelo governo ao Congresso, o ministro precisa ser bem-sucedido na obtenção de R$ 168,5 bilhões em receitas extras. Isso é considerado improvável por economistas e pela ala política do próprio governo.

No fim de outubro, em café com jornalistas no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que a meta fiscal não precisa ser zero e que esse resultado dificilmente será atingido, pois ele não quer realizar cortes em investimentos e obras no ano que vem.

Para uma ala do governo, um déficit correspondente a 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) não seria um problema. A fala do petista deu a senha para integrantes do núcleo político, que passaram a pressionar por uma mudança no alvo da política fiscal de 2024.

Nesta quinta (16), o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) afirmou que o Executivo não agirá por uma mudança. "Não existe e não vai existir qualquer iniciativa do governo de alterar essa meta fiscal", afirmou Padilha.

O relator da LDO, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), afirmou após reunião com a equipe econômica que o governo manteve a meta fiscal zero, mas citou a possibilidade de revisão "no futuro".

Sob o objetivo de déficit zero, economistas avaliam que Haddad precisará impor, já no começo do ano que vem, um freio bilionário nos gastos para evitar o estouro da meta no primeiro ano de vigência do novo arcabouço fiscal.

A nova regra fiscal exige que o gestor adote providências para evitar o descumprimento do alvo e prevê que a trava pode chegar a 25% das despesas discricionárias, parte não obrigatória dos gastos que inclui custeio e investimentos.

Isso significa que o contingenciamento poderia chegar a R$ 53 bilhões. Como as incertezas já superam esse valor, a avaliação preliminar dos especialistas é de que há risco elevado de o governo começar 2024 sob uma trava significativa —algo que Lula disse não querer.

A versão inicial do novo arcabouço fiscal, proposta pela equipe de Haddad, não previa a necessidade de contingenciamento. O limite de despesas era dado pela regra, e o resultado das contas públicas seria como uma variável de ajuste, flutuando conforme o ingresso de receitas no caixa do governo.

A solução foi mal recebida pelo mercado e pelos integrantes do Congresso, que trabalharam pela inclusão do dever de contingenciar recursos em caso de ameaça à meta fiscal.

A decisão do Legislativo acabou dando ainda mais peso aos objetivos ambiciosos de Haddad, uma vez que sua frustração pode gerar consequências práticas —indesejadas pelos políticos que querem manter as despesas intactas e crescentes.

Nos bastidores, uma ala do governo vê a decisão de Haddad de prometer um déficit zero já em 2024 como um erro político. A avaliação desse grupo é que o mercado compreenderia uma sinalização, desde o início, de um ajuste contínuo, embora mais gradual. Agora, eventual flexibilização do alvo trará mais desgaste.

Representantes do governo citam, sob reserva, a estratégia do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles como exemplo.

Ao assumir o cargo, após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), Meirelles alterou a meta de 2016 para um déficit de até R$ 170,5 bilhões. Já na época, a avaliação era de que número continha uma gordura —o resultado efetivo de fato foi melhor, com um déficit de R$ 159,5 bilhões, em valores da época.

Em 2017, Meirelles se deparou com uma queda na arrecadação, atribuída na ocasião ao rápido processo de desaceleração da inflação. O ministro chegou a propor um cardápio de medidas para elevar receitas, incluindo aumento de tributos, o que foi rechaçado pela ala política.

Em agosto daquele ano, Meirelles anunciou a revisão das metas de 2017 e também de 2018 (que havia sido sancionada um dia antes). Os alvos, antes negativos em R$ 139 bilhões e R$ 129 bilhões, respectivamente, foram alterados para um rombo de até R$ 159 bilhões em ambos os exercícios.

No fim das contas, o então governo Michel Temer (MDB) acabou entregando resultados melhores até mesmo do que o fixado nas metas iniciais. O resultado ficou no negativo entre R$ 116 bilhões e R$ 118 bilhões nos dois anos.

A leitura de petistas é que Meirelles traçava metas mais folgadas e entregava resultados melhores, o que poderia gerar uma percepção de esforço fiscal maior do que o obrigatório.

Ainda na visão dessa ala, ao propor objetivos mais ousados, Haddad corre o risco de frustrar expectativas, mesmo que consiga percorrer metade do caminho almejado —o que já seria um esforço considerável de arrecadação.

Na Fazenda, as metas fiscais ambiciosas são vistas como um motivador para a busca das medidas de receitas necessárias para reequilibrar as contas. Por isso, a equipe de Haddad resistiu a uma mudança agora no alvo da política fiscal, diante do risco de que isso desmobilize o Congresso na aprovação das iniciativas em tramitação.

O Banco Central faz coro à posição do Ministério da Fazenda e defende a importância de o governo persistir no objetivo para demonstrar compromisso com o reequilíbrio fiscal — algo que poderia influenciar inclusive nas decisões de juros da instituição.

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