Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Descrição de chapéu indústria

A cada emprego que se protege, outros deixam de ser criados

Governo acredita que caminho para o desenvolvimento passa pela exigência de conteúdo nacional

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O novo governo acredita que o caminho para o desenvolvimento passe pela "exigência de conteúdo nacional". A política de carro barato dá vantagens aos veículos que têm mais peças nacionais. O presidente Lula está bloqueando o acordo com a União Europeia porque discorda da abertura do mercado de compras públicas para empresas estrangeiras.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial apresentou uma lista de "sete missões" para a política industrial, nas quais a exigência de conteúdo nacional aparece em setores tão diversos quanto equipamentos médicos, indústria bélica e insumos para o Minha Casa, Minha Vida. Até para "erradicar a fome", a estratégia seria "reduzir a dependência externa de máquinas, implementos agrícolas e fertilizantes".

É o aprofundamento de uma política já praticada há décadas. A Zona Franca de Manaus condiciona benefícios fiscais ao cumprimento de regras de "Processo Produtivo Básico". O BNDES oferece financiamento barato para a compra de máquinas nacionais. Petroleiras têm que cumprir cotas de aquisição de equipamentos nacionais. A Lei de Licitações dá preferência a fornecedores nacionais. Até os anos 1990, a reserva de mercado da informática impunha forte restrição à importação de computadores.

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Linha de montagem de fábrica de carros - Rubens Cavallari/Folhapress

A ideia é criar empregos, desenvolver tecnologia nacional, induzir a industrialização e exportar bens de maior valor agregado, não apenas commodities. É um raciocínio mercantilista, segundo o qual o comércio não cria valor e não gera benefícios mútuos: se um lado ganha, o outro perde. Para cada produto importado que gera um emprego na China, é um emprego a menos no Brasil. Melhor exportar muito e importar pouco.

Desde Adam Smith sabemos que, quanto mais amplas as possibilidade de comércio, maior o espaço para especialização, divisão do trabalho, absorção de tecnologia e, portanto, de crescimento econômico. Economias autárquicas estão fadadas à estagnação. A cada emprego que se protege, outros tantos deixam de ser criados, porque a política protecionista destrói oportunidades de novos empreendimentos.

Quando o governo protege, por exemplo, os fabricantes de autopeças nacionais, ele desprotege a indústria automobilística, que produzirá carros com peças mais caras e piores, deixando de ser competitiva no mercado internacional. Dependendo só do mercado interno, as montadoras pressionam por proteção, para não perder mercado para veículos importados. Cria-se o ciclo da mediocridade e da improdutividade.

As exigências de conteúdo nacional usualmente descem a detalhes técnicos, impondo rigidez ao processo produtivo, que não pode se reorganizar de forma mais eficiente à medida que mudam preços e tecnologias. Processos burocráticos de verificação e aprovação do cumprimento de cotas atrasam os investimentos e a produção. Empresas desistem de inovar para não ter que passar pelo calvário da aprovação de um novo processo produtivo básico.

A combinação de setores escolhidos pelo governo, benefícios concentrados em algumas poucas empresas e custos não transparentes (porque são repassados nos preços ou se traduzem em riqueza não criada) criam ambiente propício a lobby e má alocação de capital.

No mundo todo setores se organizam e conseguem esse tipo de proteção. Porém, Hufbauer e coautores mostram que o Brasil está no topo do ranking. E aqui o problema se agrava, porque os países usualmente estendem os privilégios a países parceiros de tratados comerciais, e nós temos poucos tratados.

A reserva de mercado da informática é o fracasso mais emblemático. O campo de Libra, um dos mais atraentes do pré-sal, leiloado com forte exigência de conteúdo nacional, só teve uma oferta, pelo preço mínimo. Após uma reforma que reduziu as exigências, campos menos promissores foram disputados com alta concorrência e o governo recebeu elevados ágios.

A Embraer, que nunca foi submetida a exigência de conteúdo nacional, é grande importadora de insumos e tecnologia e, com isso, consegue ser competitiva no mercado externo. A produção de plataformas de petróleo, com sua cadeia de fornecedores nacionais, nunca prosperou.

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