Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Crise fiscal nos municípios, de novo

Ajuda federal trará alívio de curto prazo, mas semeará a próxima crise

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Os municípios estão, de novo, clamando por ajuda financeira do Governo Federal. Organizou-se até uma inusitada "greve de prefeitos" para intensificar a pressão política.

A explicação simples, e errada, para essas crises fiscais recorrentes é de que a União concentra a receita tributária e deixa os municípios de pires na mão. Em uma das minhas primeiras colunas neste espaço mostrei que o argumento não se sustenta: a federação brasileira é uma das que mais descentraliza receitas no mundo. Nos anos 1990, quando as transferências federais aos municípios eram menores que hoje, Anwar Shah já escrevia que "os municípios brasileiros são motivo de inveja para governos locais dos países em desenvolvimento e desenvolvidos". Não é por falta de receita.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa do encerramento da 84ª Reunião Geral da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), ao lado do presidente do FNP Edvaldo Nogueira, em Brasília. Eles estão em uma bancada branca em frente à várias meses onde estão os prefeitos e suas equipes.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa do encerramento da 84ª Reunião Geral da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), ao lado do presidente do FNP Edvaldo Nogueira, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

A causa real tem vários fatores. O primeiro deles é que grupos de interesse conseguem aprovar no Congresso medidas que prejudicam as contas municipais. Pisos salariais para diversas categorias e aumentos reais do salário mínimo pesam na folha de pagamentos dos municípios, e os prefeitos pouco podem fazer. Na coluna passada, analisei o caso do piso salarial do magistério, que aumentou 53% nos últimos dois anos.

Do lado da receita, decisões do Congresso ou medidas unilaterais do Executivo também afetam as contas municipais, como o corte nas alíquotas de IPI (que compõe o Fundo de Participação dos Municípios – FPM) e a imposição de teto às alíquotas de ICMS (imposto partilhado com os municípios), ambos em 2022. Outras perdas de receitas são causadas por benefícios tributários setoriais, que reduzem a arrecadação de impostos partilhados com os municípios.

O FPM, composto por receitas federais de Imposto de Renda e IPI, é a principal fonte de financiamento dos municípios, em especial dos pouco populosos. O "dinheiro fácil que vem de Brasília", e não pesa no bolso do eleitor local, estimula as prefeituras a gastarem muito e mal, além de relaxarem na cobrança dos impostos locais, como IPTU e ISS.

Ocorre que a receita de FPM é procíclica: quando a arrecadação do Governo Federal cresce muito, como ocorreu em 2021 e 2022, o FPM engorda e o município aumenta suas despesas. Quando a receita cai, como vem ocorrendo em 2023, o FPM também cai, e o prefeito não consegue pagar as despesas aumentadas nos anos anteriores.

Parte do aumento de despesas nas fases de FPM alto é de responsabilidade dos próprios municípios, que relaxam na execução orçamentária quando o caixa está mais folgado. Mas há outra parte que é de responsabilidade da Constituição: o gasto mínimo obrigatório em saúde e educação sobe quando a receita do município sobe. Daí o prefeito é obrigado a gastar mais, e esse gasto adicional não é reversível quando, mais adiante, a receita cai.

Reagindo a esta realidade, os municípios passam a atuar como mais um grupo de pressão, demandando ajuda financeira junto ao Congresso e ao Executivo Federal. Têm sido bem-sucedidos.

Desde 1997, quatro emendas constitucionais já aumentaram o FPM de 22,5% das receitas de Imposto de Renda e IPI para 25.5%. Mais uma emenda está no forno, para passar para 27%. Isso alivia as contas dos municípios, mas agrava o papel desestabilizador do FPM, acima descrito.

Marchas anuais de prefeitos a Brasília sempre extraem perdões de dívida e dinheiro extra. As transferências totais da União aos municípios cresceram 78% em termos reais entre 2008 e 2022, segundo dados do Tesouro Nacional. O Congresso acaba de aprovar uma redução da contribuição dos municípios ao INSS.

O alívio fiscal vem à custa da perpetuação de políticas públicas distorcidas e ineficazes, incentivos à má gestão e crises fiscais recorrentes nos municípios, além de aumento do déficit e da dívida federal.

Seria um ganho para a sociedade se os municípios mudassem de estratégia e, em vez de pedirem socorro, trabalhassem por mudança na indexação do gasto mínimo de saúde e educação, revisão e limitação dos pisos salariais, moderação no aumento do salário mínimo, revogação de benefícios tributários e reforma do FPM. Contudo, essa é uma batalha difícil e de alto custo político para os prefeitos.

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