Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Como responsabilizar agentes públicos não eleitos, como procuradores e juízes?

O único país a ter promotores públicos eleitos são os EUA; e a experiência não é boa

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Agentes públicos não eleitos (como procuradores e juízes) são frequentemente acusados de não serem responsabilizáveis porque não são eleitos. O que sugere que seria desejável que o fossem. Segundo o Oxford Handbook of Prosecutors and Prosecution (2021), o único país a ter procuradores/promotores públicos eleitos são os EUA. E a experiência não é boa. O que deveria frustrar os defensores de eleições como forma de contrarrestar a notável expansão recente do poder do ministério público nas democracias atuais.

Nos EUA, em 2017, segundo Carissa Hessik (UNC) e M. Morse (Harvard), em artigo recente, 95% dos procuradores (a nomenclatura varia: district attorneys, prosecuting attorneys etc.) são eleitos em primárias e eleições gerais. As exceções são Alasca, Connecticut, Delaware e New Jersey. Apenas os procuradores gerais (AG) dos estados não são eleitos, mas indicados pelo Executivo e confirmados pelo Legislativo. As eleições são partidárias (exceto em cinco estados): os candidatos brandem sua filiação partidária.

Esse partidarismo contrasta com a ampla despartidarização das eleições locais/municipais nos EUA: 2/3 delas são não partidárias. O que vale até para 58% das cidades com mais de 500 mil habitantes.
Os autores mostram que 95% dos incumbentes ganham as eleições. Apenas em 15% das eleições houve opositores, e nelas os incumbentes ganharam em 2/3. Os titulares dos cargos, portanto, "assumem e só saem quando querem". A mediana de permanência é de 7 anos; cerca de 15% passa mais de 20 anos.

Vista do Capitólio, em Washington, prédio que abriga o Poder Legislativo americano
Vista do Capitólio, em Washington, prédio que abriga o Poder Legislativo americano - Andrew Caballero-Reynolds/AFP

"A responsabilização é pífia", concluem. Comparando os dois modelos (eleições x nomeação) argumentam que "o modelo de nomeação tem problemas potenciais de patronagem e falta de accountability. Mas eleição sem concorrência é o pior dos dois mundos".

Além disso, como argumenta Russel Gold, no Handbook citado, há uma estrutura de incentivos perversa: o Legislativo e procuradores respondem aos mesmos incentivos eleitorais e o equilíbrio resultante é uma escalada punitivista. Nas grandes cidades —onde há competição eleitoral— o resultado é a superpolitização, que mina a responsabilização.

No modelo europeu continental de MP busca-se seu insulamento político (e.g concursos públicos ao invés de nomeações) e controles horizontais e verticais (conselhos), envolvendo o Judiciário. Nada mais afastado deste modelo do que a idéia de um controle majoritário, eleitoral, de atividades ultraespecializadas que são por natureza contramajoritárias. E muito menos que um polo do processo (os acusados) detenha a prerrogativa de controlar seus próprios acusadores.

Entre nós o déficit de responsabilização é sistêmico; não está no modelo.

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