Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

O debate sobre as eleições presidenciais americanas: da polarização à calcificação

A competitividade das eleições impede que perdedores revisem suas posições para ajustá-las às preferências do eleitorado

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Em uma das mais influentes análises da eleição presidencial de 2020, Lynn Vavreck, Cris Tausanovitch e John Sides argumentam que o sistema político dos EUA está "calcificado", e não apenas polarizado. A calcificação alicerça-se em quatro pilares. O primeiro é que a distância ideológica entre democratas e republicanos se ampliou muito, aumentando para o leitor o custo de mudar o voto, como já discuti aqui na coluna.

O segundo é que internamente os partidos estão crescentemente mais homogêneos em termos demográficos (religião, idade, raça, rural x urbano, etc.) e programáticos. A partir dos anos 1970, por exemplo, a população branca dos estados sulistas, que era maciçamente democrata, migrou para o partido republicano, em uma sobreposição crescente de características sociais e partidarismo.

O ex-presidente dos Estados Unidos realiza discurso de campanha em Las Vegas, Nevada - Ronda Churchill - 27.jan.24/Reuters

O terceiro é que a dimensão que vertebrava a disputa política desde o New Deal e girava em torno do tamanho do estado, carga tributária e política social deu lugar a questões identitárias. O quarto é a nova e inédita paridade de forças entre os partidos, convertendo as eleições em pleitos muito competitivos, em forte contraste com a hegemonia democrata na Câmara dos Deputados no pós-guerra, que se estendeu por 40 anos, como mostrei aqui.

Estes dois últimos aspectos formam o núcleo duro da calcificação. Questões identitárias não admitem compromissos, são fundacionais. A competitividade das eleições, por sua vez, impede que os perdedores revisem suas posições para ajustá-las às preferências cambiantes do eleitorado. Os perdedores quase ganharam as eleições; têm, portanto, não só incentivos para cristalizar seus programas mas também para interferir nas regras do jogo, afinal pequenas modificações podem levar à vitória. Assim, os eleitores voláteis, sem identidade partidária forte, e que são persuadidos a mudarem de posição nas eleições estão desaparecendo. Só houve mudanças de voto de um partido a outro, em 2022, em cerca de 5% do eleitorado, o menor percentual desde 1940.

A evidência mais forte de calcificação, afirmam os autores, é que ela resistiu a eventos disruptivos excepcionais como a pandemia e Trump. Se isto é verdade, a eleição de 2024 será igual a de 2020. Prevalecerá o hiperpartidarismo em um quadro de preferências calcificadas. E também a segmentação espacial, em que os grotões pobres e áreas rurais votarão em Trump e os estados de renda mais elevada em Biden (que é uma imagem invertida do mapa do voto entre nós).

Em novo livro (que será objeto de resenha específica na coluna), Felipe Nunes e Thomas Traumann sustentam que o eleitorado brasileiro também está "calcificado". Que o Congresso não está já sabemos: a vasta maioria dos partidos que apoiavam Bolsonaro agora também apoia Lula. Quem está calcificado? O eleitorado, militantes, parlamentares?

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