Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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As emendas orçamentárias são parte de um mau equilíbrio que garantiu alguma governabilidade no pós-88

Sem transformação no desenho institucional global, o equilíbrio possível do pós-1988 vem sendo tensionado.

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Como a questão das emendas orçamentárias é tratada na literatura comparada? A dificuldade é que elas não existem em muitas democracias, como já mostrei aqui na coluna.

No parlamentarismo, a aprovação de uma emenda equivale a um voto de desconfiança no governo. Nos regimes presidencialistas, as emendas adquirem características radicalmente distintas do caso brasileiro, cuja singularidade é a barganha Executivo x Legislativo. Nos EUA, ela tem lugar nas comissões congressuais: a barganha é intralegislativa.

Charge do cartunista Nico sobre a pressão do centrão para obter cargos e influência no governo
Charge do cartunista Nico sobre a pressão do centrão para obter cargos e influência no governo - Leitor

A dinâmica é distinta porque o orçamento é globalmente impositivo nos EUA. O Executivo não detém a prerrogativa de contingenciar o orçamento premiando a lealdade de sua base como no Brasil. Por que o sistema não degenera em ingovernabilidade fiscal numa dinâmica tipo tragédia dos comuns naquele país e nas democracias parlamentares? A resposta está no sistema partidário.

No parlamentarismo ou no presidencialismo bipartidário, o partido majoritário e seus membros internalizam os custos políticos dos problemas fiscais. Sob o multipartidarismo estes incentivos são mais fracos, mas ainda assim a formação de coalizões tem bases programáticas sobretudo nos sistemas parlamentares.

O presidente Lula com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (centro), e do Senado, Rodrigo Pacheco, em Brasília
O presidente Lula com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (centro), e do Senado, Rodrigo Pacheco, em Brasília - Evaristo Sá - 12.dez.22/AFP

O pior cenário é quando o sistema partidário é fragmentado e localista. O rótulo partidário significa pouco e a sobrevivência política dos parlamentares depende de emendas. A solução —claramente sub-ótima— para lidar com o dilema é a delegação de poderes para o Executivo federal, o único ator com incentivos fortes para o controle fiscal (mais fraco ou forte conforme a ideológica e as crenças dos governos). Foi feito em 1988.

As emendas e a distribuição dos ministérios e dos cargos nas estatais têm papel fundamental para a formação da base parlamentar multipartidária. Emendas mantêm uma relação substitutiva com os ministérios; elas são utilizadas para garantir apoio de partidos não contemplados com ministérios.

Este arranjo institucional produz distorções alocativas (desigualdade entre beneficiários de gasto; perda de racionalidade de políticas públicas) e malaise crônica pela exposição pública "de como as salsichas são feitas". Mas permite ganhos de troca entre os interesses localistas de parlamentares e os interesses nacionais do Executivo.

A impositividade das emendas individuais e coletivas aprovadas em 2015 e 2019 reduz o espaço para a barganha, e altera o equilíbrio geral. Há risco de "tragédia dos comuns" (o montante das emendas é crescente e ameaçador"), sobretudo se o Executivo não partilhar o governo com a base. Na ausência de uma transformação no desenho institucional global, o equilíbrio possível (second best) do pós-1988 vem sendo tensionado.

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