Os últimos dez anos foram tudo —menos fáceis para a democracia brasileira.
Em 2013, difuso descontentamento varreu as ruas. Em seguida, eleições presidenciais polarizadas produziram um vencedor por una cabeza, como no tango de Gardel. E, claro, o desfecho foi contestado pelo perdedor. Em 2015 e 2016, a direita mostrou sua cara nas praças e avenidas, na mídia e, com especial estridência, nas redes sociais. A Lava Jato expôs a corrupção que azeitava as engrenagens políticas e deu aos seus condutores olor de santidade. Ah, sim: fabricou a crise que culminou no controverso impeachment da presidente eleita.
Para os interessados em entender como a empreitada pretensamente purificadora produziu tamanho desenlace, chega às livrarias "Operação Impeachment", do cientista político Fernando Limongi (Todavia).
Por meio de obsessiva reconstrução dos fatos, o professor da Fundação Getulio Vargas mostra que Dilma Rousseff só perdeu a proteção política que bloqueava o trâmite do processo de sua destituição no Congresso quando as denúncias geradas pela chamada República de Curitiba passaram a ameaçar figuras importantes dos partidos de centro-direita que lhe davam sustentação.
O salve-se quem puder —sem salva-vidas para todos os náufragos do arranjo político que sustentava, desde meados dos anos 1990, a competição presidencial entre a centro-esquerda e a centro-direita— teve consequências conhecidas e desastrosas em 2018.
Limongi não compra a ideia de que o recurso ao impeachment tenha sido golpe, pois é parte de nosso arcabouço legal. Mas nem por isso deixa de mostrá-lo como uma arma que é melhor deixar bem guardada na gaveta, pelo seu poder de ferir o primeiro dos fundamentos da democracia liberal: a escolha dos governantes por sufrágio universal, em eleições limpas, competitivas e periódicas.
Pela mesma razão, o autor não poupa acidez ao tratar das tentativas do PSDB de Aécio Neves de melar no TSE o resultado do pleito de 2014.
Estudiosos do direito e cientistas políticos chamam de "jogo duro constitucional" o apelo a procedimentos legais para obter ganhos políticos, violando normas preestabelecidas e forcejando os limites da legalidade.
São muitos os expedientes disponíveis aos que a ele se dedicam. Com ou sem êxito, os episódios em que se buscou corrigir a vontade do eleitor parecem caber bem na definição. Assim como é possível aplicá-la, pela mesma razão, à cassação do mandato do deputado lava-jatista Deltan Dallagnol.
Em algum grau, o jogo duro constitucional se faz sempre presente nas disputas políticas que animam as democracias. Mas é prudente evitar que seu uso frequente termine por desgastar os alicerces do regime.
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