Vivemos atualmente vários tipos de guerra. Um deles é um tipo peculiar que poderíamos chamar de guerra simbólica. Os símbolos que identificam uma tribo entram em conflito com os de outra, e um coletivo cultural advoga que seu conjunto de interpretações da realidade e, portanto, de diretrizes para a vida, é superior ao do outro grupo.
O conjunto simbólico-imaginário que nos permeia —as narrativas, as imagens, as normas— não é sem consequências sobre o real que ele busca decifrar (por isso que a liberdade de expressão plena não se sustenta, aliás, e pode engendrar crimes).
Por exemplo, a forma de conceber a natureza, divina ou desfrutável, implica uma posição de temor ou dominação. Se suponho que o planeta é "recurso natural", busco extrair dele tudo o que eu puder. Vou concebendo-o como objeto de uso e abuso, e exploro-o até o talo.
O mesmo tipo de diferença está em jogo quanto aos "recursos" chamados humanos. Qual o limite da exploração? Mais opressão ou mais poder de decisão aos que trabalham?
Outro tipo de debate: como conseguir dinheiro? Ou seja, como e onde coletar imposto, como e onde abrir mão disso; ou seja, taxação e subsídio. E como distribuir o tesouro.
Como encaminhar esses problemas? Não estamos falando de coisas menores e sim de como lidar com a destruição, a desigualdade e o desenho do Estado. Como? Pensando. Trabalhando. É fundamental estar numa tessitura de interlocução racional para se fazer esses cálculos e saber, afinal, o que é melhor fazer. Em qual direção seguir.
No entanto, como vimos estes dias, estamos ainda em uma etapa do debate que não se faz prioritariamente com ideias e projetos. Ele se faz em torno do que intuo sobre a pessoa do líder e da guerra de imaginários daí decorrente. Depois da entrevista de um deles na quinta, dispararam menções e buscas por seu nome. Vamos dizer que ele se chama Pedro. O top 5 das buscas foi esse aqui:
Atual esposa de Pedro. Paulo falando mal de Pedro. Quantos anos tem Pedro. Pedro teve câncer. Pedro casou de novo.
A vida amorosa e desejante do líder vem em primeiríssimo lugar, e com duas entradas. Separar e recasar, sabemos, é uma conquista histórica recente, que valoriza a ética do desejo individual em detrimento da lealdade ao pacto primário de alianças comunitárias. Um proponente separou e recasou três vezes, sempre com mulheres mais jovens. Pedro, viúvo, casou de novo este ano em cerimônia midiática. O que deve lhe conceder um frescor glamourizado. O velho interesse pelo corpo do líder: idade e câncer. Isso é relevante, pois nosso herói é um vencedor: venceu a pobreza, a prisão e a doença.
A outra pergunta é mais explicitamente política, mas ainda no âmbito da política privada da intriga. Quero ouvir falarem mal dele. Aquilo que todos fazemos cotidianamente, dos bares aos salões, dos quartos ao zap. Antigos inimigos podem fazer alianças? O próprio líder deu a resposta: sim, devemos nos unir aos divergentes para vencer o antagonista.
No século 20, notícias que quebravam a rotina —breaking news— buscavam destrinchar quais atrizes ou estagiárias eram amantes de quais homens poderosos, à la Kennedy, Clinton e tantos outros. Chama a atenção como, hoje, com o planeta podendo explodir em guerra ou desequilíbrio, ainda estejamos nos perguntando sobre como vive um homem ou como bebe e dança uma líder mulher. Sempre a vida privada a nos seduzir.
Voltando ao início: estamos à altura do debate público e racional de ideias? Vivemos em uma real República? Parece que preferimos a revista Caras do poder, mergulhados no imaginário da persona do líder. E gastando fortunas em guerras culturais não tão inteligentes. Temos problemas seríssimos para lidar e ainda estamos na fase personalista do play.
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