Sempre que é lembrado da crise de 2008, Henrique Meirelles diz que uma das primeiras coisas que ficaram claras à equipe econômica da época era o diagnóstico de que haveria um corte súbito do crédito global. E teve.
Ao alertarem que o país caminhava para o penhasco, em 2014, economistas diziam que o governo tinha deturpado tanto as estatísticas oficiais que era incapaz de fazer o diagnóstico correto de que mergulharíamos na recessão. E mergulhamos.
Muitos fatores diferenciam o Brasil de 2008 do de 2014, mas a falta de uma visão clara do problema foi talvez o pior deles na gestão Dilma Rousseff. Em 2009, o PIB encolheu 0,1%. Em 2015, 3,5%.
Há semanas, economistas brasileiros falam do impacto do coronavírus. No mês passado, recebi a previsão sombria de um analista: os efeitos da doença seriam devastadores. As pessoas deixariam de sair de casa, com uma supressão aguda do consumo. A recessão, àquele dia possível, hoje tornou-se provável.
Já no governo, a visão é atrapalhada. Enquanto o Ministério da Saúde sugere o resguardo e alerta para a falta de leitos em número suficiente para atender à demanda crescente, o presidente Jair Bolsonaro fala que o coronavírus "não é isso tudo que dizem" e debocha do isolamento.
Paulo Guedes disse à Folha que cálculos indicaram que a evolução da doença será mais rápida no Brasil do que na Itália, onde já morreram mais de 2.000 pessoas. Ainda assim, o ministro parece não ver grande risco. "O baque na economia é temporário: o contágio sobe rapidamente, fica três meses, depois desaba".
Ou o governo acredita que o caso não é grave, ao contrário do que está se falando em todo o planeta, e Bolsonaro demite o ministro da Saúde, ou é bom se preparar para o impacto severo da doença. A falta de um diagnóstico cristalino do que está acontecendo dificultará entender como enfrentar o problema, o que nos custará vidas e anos perdidos.
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