Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

A difícil arte de consolar

Por que é difícil falar sobre morte, perda, dor, sem que tudo que seja dito não pareça superficial?

Uma amiga perdeu a mãe. E quando mais preciso encontrar as palavras certas para levar o mínimo de conforto a pessoas que amo, me pego repetindo um amontoado de clichês que não amenizam a dor e talvez me façam parecer insensível e até indiferente.

Por que é tão difícil falar sobre morte, perda, vazio, dor, sem que tudo que seja dito não pareça superficial ou provoque feridas ainda mais dolorosas na alma de quem já sofre? O que dizer nessas horas que faça alguma diferença? Devo mesmo dizer alguma coisa? Como saber se aquela pessoa não quer apenas um abraço forte, uma mão estendida, o conforto da presença de alguém, para que os espaços sejam preenchidos não com palavras, mas com o afago de uma amizade? O silêncio é terapêutico para alguns. Para outros apenas cria abismos quando a comunicação falha.

Não sei o que é perder a mãe. Imagino que deva ser aquele tipo de dor irremediável, que apenas fica anestesiada com o tempo, mas não cicatriza jamais. Nada do que seja dito é capaz de trazer algum tipo de consolo. Não dá para pedir a quem sofre que seja racional. Vai passar. Mentira. A morte talvez resolva a agonia física de quem parte, mas não é explicação convincente para quem fica órfão do amor, da presença, da convivência.

Nesses momentos sempre temo não saber lidar com o meu próprio desconforto diante da inabilidade de ajudar alguém quando essa pessoa precisa de mim. Perguntar como ela se sente me parece uma das coisas mais idiotas. E o que dizer quando a resposta é “estou um lixo, gostaria de morrer junto com minha mãe, a vida é uma merda”?

Talvez tudo o que a gente queira é que a resposta seja “estou bem”, assim ficamos aliviados e seguimos adiante com nossas vidas, porque é desconfortável ter que lidar com gente triste e depressiva mesmo quando gostamos delas. E não porque não gostamos delas, mas porque não sabemos como lidar com gente triste e depressiva, então fazemos de conta que acreditamos que vai passar e nos livramos de mais um problema na vida.

Pode parecer cruel, mas é a realidade. Eu sofro de depressão. Há três anos ela está controlada e adormecida, mas sei como é estar deste lado e saber que as pessoas preferem assim, quando já não precisam perguntar como estou porque não saberiam o que fazer para me ajudar. Já me senti abandonada, já tive raiva, hoje entendo. E tirei uma lição para os momentos em que eu mesma preciso lidar com a dor alheia e me sinto muito incompetente para escolher boas palavras e apontar soluções.

Quem sofre muitas vezes não sabe o que gostaria de ouvir ou mesmo se quer colo, consolo, conselho. Nos meus momentos de dor, só queria ter certeza de que haveria alguém para me estender a mão se eu precisasse dela. Que teria a presença de alguém quando quisesse falar. Que encontraria um abraço quando não pudesse me sentir só.

Desde então, talvez o melhor que eu consiga fazer quando um amigo sofre uma perda é estar disponível. Não apenas quando posso, mas sempre que ele precisa. O suficiente para que saiba que estou por perto, que posso ser ouvidos, conforto ou apenas uma companhia no silêncio. Tento praticar a matemática nada exata de dar espaço para que o outro respire e se recupere, sem me ausentar tanto que ele se sinta abandonado e sem importância. Que eu continue a não encontrar as palavras, se não for possível, mas que me sobre tempo, disposição e empatia para acolher a dor do outro.

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