Lula está certíssimo quando defende a descriminalização do aborto como política de saúde pública. O petista, que já havia se posicionado várias vezes contra, felizmente entendeu o básico que a sociedade ainda se recusa a encarar: convicções pessoais, religiosas, filosóficas não podem servir como parâmetros para definir a legislação.
Mas a fala de Lula neste momento não beneficia em nada o debate sobre o tema. Não ajuda a criar empatia em uma única pessoa contrária à questão. Não ilumina as trevas para as quais conservadores reacionários costumam arrastar os pontos fundamentais sobre essa conversa: desigualdade, saúde, liberdades individuais. Apenas incendeia a turba bolsonarista sedenta por uma nova mamadeira de piroca para a eleição.
Pessoalmente, senti como uma vitória o posicionamento de um político do calibre de Lula. Representantes do campo progressista precisam descer do muro e abraçar a causa. Mas seria ingenuidade e teimosia não avaliar de forma prática o momento de trazer a discussão para a ordem do dia quando 57% dos brasileiros (Datafolha 2018) acham que a mulher que interrompe uma gravidez deve ir para a cadeia.
O momento é de garantir que não haja retrocessos. E o que não faltam são tentativas para que isso aconteça. Nos últimos anos, parlamentares têm inundado a Câmara com projetos que apenas pioram a vida da mulher, com aumento de pena, imprescritibilidade dos "crimes contra a vida", criminalização de profissionais da saúde. No ano passado, o Senado chegou a desengavetar uma PEC que proíbe qualquer intervenção desde o início da gestação. É do senador Eduardo Girão (Podemos-CE) a "bolsa estupro", um prêmio de consolação na tentativa de proibir o aborto inclusive em casos de violência sexual.
Falar sobre o aborto é necessário, conscientizar a população é urgente, mas ignorar a barreira que ainda existe sobre o tema não é nada inteligente.
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