Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Dona de casa que fala mal de feminista

As antifeministas escolheram todos os piores estereótipos para pintar um movimento que de igual não tem nada

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Não sou de me surpreender com muita coisa, ainda mais nesses anos de bolsonarismo. O presidente parece ter dado um aval para a burrice sair do armário. Nunca vi tanta gente estúpida orgulhosa de seus limites. Confesso que tive que ler duas vezes para ter certeza de que era mesmo isso. Uma fulana que não gostou de um artigo publicado aqui na Folha se descreve como "dona de casa que fala mal de feminista". Eu ainda acho que liberdade de expressão precisa ser defendida sempre, mas a gente tem que lidar com essas agressões à inteligência.

O que me chamou a atenção mais uma vez é um fenômeno, desses tempos esquisitos, de mulheres que lucram falando mal de feminista. Veja, não se trata de desaprovar essa ou aquela postura. Eu mesma tenho críticas a algumas vertentes radicais que felizmente perderam força depois dos primeiros anos dessa última onda, que chegou para ficar. O feminismo que se sobressai, e o que eu abracei, é o que denuncia, que reivindica, que luta, mas é agregador, aquele que reconhece no homens o apoio necessário para que as mudanças aconteçam.

Ilustração de mulher negra com o punho do lado direito fechado e levantado na altura da cabeça
Linoca Souza/Folhapress

As antifeministas, muito espertas, escolheram todos os piores estereótipos para pintar um movimento que de igual não tem nada, como a maioria das mulheres não tem. Não somos iguais, não temos as mesmas prioridades, não escolhemos os mesmos métodos. O que temos em comum é a luta pela igualdade, o fim da violência, o direito de escolha.

Mas o retrato da feminista feito por essas oportunistas é o da mulher mal-amada, abandonada, baranga, que odeia os homens, que despreza os valores familiares, que desconsidera, veja, aquelas que escolheram ser donas de casa. Como se fosse possível desmerecer a rotina insana de quem cuida de uma casa. Como se a maioria das feministas não acumulasse o trabalho doméstico, o casamento, a criação dos filhos, com as suas carreiras.

Esse tipo de antifeminista não fala apenas mal, fala um monte de bobagem, e cobra por isso. Vende cursos, livros, faz palestras, se elege deputada para demonizar outras mulheres, ancoradas em nada além de crenças pessoais, religiosas, ideológicas, mas sobretudo para meter dinheiro no bolso catequizando uma massa de gente alienada, preconceituosa e mal-informada. Um desses cursos, que custa R$ 382,80, se refere às feministas como o "grupo ideológico mais perigoso das últimas décadas", "antifamília", "abortistas".

Amada, se feministas fossem perigosas, já tinham dominado o mundo. Perigosas são mulheres que alimentam as estruturas vigentes e impedem que causas importantes para toda a sociedade caminhem mais rapidamente. Enquanto escrevo este texto, faço uma pausa para pendurar a roupa no varal. Odeio pendurar roupa no varal, mas adoro minha casa limpinha e arrumada. Ainda procuro espaço nos armários para guardar o último jogo de pratos e travessas que comprei. Herdei da minha sogra a coleção de toalhas de linho que ela guarda com tanto carinho. Falei que minha sogra me adora? Eu, essa feministona, faço o filho dela bem feliz. Ela já disse que vai me deixar as joias da família. Isso, feminista também tem família, faz almoços de domingo. O que não entra aqui é tio do zap.

É uma passada de aspirador na sala e uma hashtag #naopassarao. Admiro demais as mulheres que escolheram ser donas de casa e enfrentam a cobrança de um segundo trabalho. Sim, segundo trabalho, porque é isso o que a maioria de nós enfrenta, duplas jornadas, triplas para aquelas que ainda ajudam seus filhos com o dever de casa e ralam duro para que essas crianças possam crescer livres de preconceito, numa sociedade que respeite e cuide mais da mulher e da vida que ela decidir ter.

Amada, eu sou feminista, jornalista, casada, filha amorosa, amiga querida, cidadã responsável, dona de casa, dona do meu nariz. Faço uma pausa no texto e lembro que preciso marcar manicure, trocar o tapete da sala, tentar ressuscitar o manjericão que os dias mais frios têm castigado. Meu marido faz um pesto delicioso com ele. Sábado, completo dez anos de casada. Para você ver, feminista também faz bodas.

E feminista chora. Não consegui dormir esta madrugada com o coração apertado, com todos os meus pensamentos naquela mulher violada num dos momentos mais sublimes da vida, ser mãe. Maternidade não é uma opção para mim, mas me tornei feminista porque acredito que as mulheres devem escolher o que é melhor para si. Mães, feministas, donas de casa. Inclusive tudo ao mesmo tempo.

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