Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Descrição de chapéu Todas

O mundo descobriu a menopausa

Não dá para ligar o foda-se sem ter anotado a placa do caminhão que nos atropela nessa fase

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A anatomia completa do clitóris só foi descrita em 1998 pela urologista australiana Helen O'Connel. Vocês leram certo, 1998. Talvez por isso tantos homens ainda não consigam encontrá-lo e muito menos saber o que fazer com ele. Antes disso, o órgão feminino foi tema de poucos interessados no século 17, depois no século 19, mas era descrito no livro "Anatomia de Gray", uma espécie de Bíblia da área, como o equivalente ao órgão masculino, apenas menor. Sim, até duas décadas atrás, o clitóris era considerado um micro pênis.

Como no caso dos homens, algo com essa falta de dimensão é tratado sem entusiasmo. Talvez a medicina achasse que o clitóris era uma má-formação, um acidente, a tal inveja que os homens juram que sentimos do seu membro. Hoje, sabemos, aleluia, que é o único órgão no corpo humano que existe apenas para o prazer. Não tem outra utilidade a não ser levar as mulheres à loucura.

Ilustração de mulher subindo as escadas
'Nunca percebi que menopausa era um problema. Acreditava ser somente o momento de travessia do portal da maturidade' - Everything Bagel/Adobe Stock

Enquanto dicionários como o Collins elegem "inteligência artificial" como palavra do ano, 2023 deveria ser marcado pela descoberta da menopausa pelo mundo. Nunca se falou tanto no assunto. É tema de reportagens, entrevistas, hashtag em redes sociais, foi abraçada por celebridades, influenciadores e, oxalá, médicos –menos o meu.

Confesso que não sabia que era um tabu, mas deveria desconfiar visto que está ligado a algo abominado em nossa sociedade: envelhecer. Como sempre gostei, admirei e circulei com gente velha, nunca percebi que menopausa era um problema. Acreditava ser somente o momento de travessia do portal da maturidade, principalmente para quem, como eu, não tem filhos. Era o momento da iluminação, do nirvana, do desapego a convenções. Ou, como bem define a antropóloga Mirian Goldenberg, a hora do foda-se.

O que ninguém avisou é que não dá para ligar o foda-se sem ter anotado a placa do caminhão que nos atropela nessa fase. Pior, quando os médicos não conseguem nem prever quando e como essa jamanta estará em nossa rota de colisão. O mundo pode ter perdido o medo de falar me-no-pau-sa, sem que pareça uma doença sem cura, mas ainda não aprendeu a lidar com ela. Se faz de besta e trata climatério, menopausa e pós-menopausa com a rigidez de um protocolo de gripe. A questão é que tudo depende da mulher. Para algumas, essa fase é como uma gripezinha, enquanto para outras é pneumonia de baixar hospital. Não adianta olhar os exames, detectar hormônios em queda livre, pele ressecada, queda de libido e não questionar sono, atividade física, estresse, filhos, vida sexual, alimentação, traumas, consumo de álcool, de drogas, cansaço, solidão e mais uma lista interminável que faz com que cada uma de nós seja uma.

Desisti do meu ginecologista que foi maravilhoso durante mais de 20 anos, mas que, na última consulta, me atendeu tão rapidamente e me despachou para uma reposição que me deixou com libido de 20 anos, queda de cabelo, barba e vontade de socar o mundo.

Perambulei por clínicas até chegar a uma médica que passou duas horas e meia dissecando muito além dos meus exames, mas o que o resultado deles dizia sobre mim. Eu queria acusar os hormônios cansados, mas ela me mostrou que a culpa não era nem da menopausa nem do climatério, mas de uma coisa chamada vida louca. Fui informada de que não há sinal dos dois no horizonte, apesar de o corpo ter destrambelhado. Que, no auge dos meus quase 52 anos, os ovários estão bombando. Entrei no consultório com um autodiagnóstico de climatério e saí de lá com a ameaça de gravidez. Percebi que não é o mundo que não está preparado para maturidade hormonal feminina, a maioria de nós, mulheres, também não.

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