Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu Todas

Etarismo reverso

Gente mais velha é sempre mais interessante

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Desde criança, sempre que eu vejo uma mesa com gente mais velha é onde quero me sentar. Na cozinha das casas das minhas avós e tias, eu me aboletava em alguma cadeira quando ainda não tinha tamanho nem para descansar os braços sobre o móvel, onde ora repousava xícaras de café, ora copos de cerveja. Lembro dos goles roubados, das broncas dos adultos. Vem de lá o gosto por uma gelada. Mas era das conversas que eu gostava mais.

No ambiente de trabalho, a mesma coisa. Apesar da afinidade com colegas da mesma faixa etária, alguns dos meus melhores amigos são ex-chefes, homens e mulheres, com mais quilômetros de rodagem na vida e na profissão. Gente mais velha sempre me pareceu muito mais interessante —com exceção daqueles muito apaixonados por políticos.

É o que mostra o podcast "Wiser Than Me", apresentado pela atriz Julia Louis-Dreyfus, 62, em que ela conversa apenas com mulheres mais velhas, aquelas que considera "mais espertas do que ela". Dreyfus conta que a inspiração veio após assistir ao documentário "Jane Fonda em Cinco Atos". "É impressionante a facilidade com que essas mulheres são descartadas e ficam invisíveis em nossa cultura, que parece apenas celebrar a juventude. Quero ouvir essas senhoras, quero conversar com elas, saber o que elas aprenderam ao viver 70, 80 ou 85 anos."

A atriz Jane Fonda no lançamento do filme 'Ruby Marinho, Monstro Adolescente', em Los Angeles, nos Estados Unidos - Mario Anzuoni - 28.jun.2023/Reuters

Dreyfus, dez anos mais velha e muito mais esperta do que eu, teve a ideia que eu gostaria de ter tido, de dar voz à sabedoria, à experiência de pessoas como Isabel Allende, 82, Fran Lebowitz, 73, Diane von Furstenberg, 78 e, claro Jane Fonda, 86. Descobri que divido o aniversário com esta última, o que não quer dizer absolutamente nada, mas gosto de acreditar haver algum tipo de ligação cósmica.

O podcast traz conversas íntimas sobre a vida sem o objetivo de querer arrancar uma receita de bolo para a felicidade. São mulheres sem muitas certezas, que dividem alegrias e frustrações, que entendem que a vida é um aprendizado constante, conseguem rir do passado ao entender tudo o que viveram.

Um enorme contraste ao tanto de jovens com a autoestima exacerbada, que cada vez que abrem a boca parecem estar num palco de um TED, uma cagação de regra sem fim. Gente que dá curso de absolutamente tudo, faz palestras, participa de lives, de eventos, tendo vivido muito pouco. Cada vez mais não confio em ninguém que tem receita de sucesso ou que só fala sobre como a vida é miserável e não passou dos 40.

Sobretudo, amo as mulheres mais velhas, que ajudaram a pavimentar o caminho para que todas nós chegássemos até aqui sofrendo menos, errando outros erros, fazendo nossa própria história, vivendo nosso tempo.

Quero ser amiga da Fernanda Montenegro e da Vida Vlatt. Quero ter o WhatsApp da Fafá de Belém. Quero conviver com quem me olha e pensa, nossa, essa criança ainda vai se ferrar muito. Quero a realidade, quero exemplos, bons e maus, gente que viveu e vive numa vibe tarja preta-namastê. Quero conviver com velho careta, doido, maconheiro, carola, macumbeiro, pobre, rico.

Para dar match comigo, tem que ter passe livre no busão, embarque prioritário, pagar meia-entrada para idoso, estar na menopausa, usar óculos para leitura. Ahhh, mas isso é preconceito contra gente jovem. É etarismo reverso. Que seja.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.