Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Moradores do Leblon ativam 'modo NIMBY' contra democratização do Jardim de Alah

Cidades sempre perdem na disputa entre endinheirados e mudanças que acabam com privilégios

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A história se repete. Moradores protestam contra a construção de uma estação do metrô no bairro de Higienópolis, em São Paulo, que traria "gente diferenciada" para a região. Argumento parecido foi usado quando o mesmo tipo de transporte público estava para chegar ao Leblon. Teve até panelaço. Nada surtiu efeito, ainda bem. Usei o metrô na região durante os quase oito anos em que morei no bairro. Não posso dizer o mesmo sobre o Jardim de Alah, um parque que faz divisa com outro metro quadrado privilegiado da zona sul carioca, Ipanema.

Projeto vencedor para a revitalização do Jardim de Alah, parque urbano entre o Leblon e Ipanema, na zona sul do Rio - Divulgação/Consórcio Rio + Verde

Abandonado há uns quarenta anos pelo poder público, foi concedido à iniciativa privada para ser restaurado e explorado comercialmente pelos próximos 35 anos. Pronto. Fogo no parquinho, ou melhor, no jardim. Uma parte dos moradores do entorno não aceita o projeto vencedor da concessão e o acusa de descaracterização. Veja, que horror. Querem acabar com um espaço que nasceu afrancesado, elitizado, onde as crianças não podiam pisar na grama ou se pendurar em suas treliças adornadas por bougainvilles.

Hoje, só é frequentado por passeadores de cachorros, contratados pelos donos dos totós, e usuários de drogas. Jamais coloquei os pés ali por medo. Ao anoitecer, não tinha coragem de cruzar o canal que separa os dois bairros e atravessa o jardim, pela mesma razão. O comércio nos arredores, que deveria ser vibrante, é xoxo e sem personalidade, com inúmeros imóveis fechados por falta de interessados e porque a frequência não ajuda.

Mas a parte dos moradores endinheirados acha que a prefeitura tem que abrir os cofres para que a área seja revitalizada às custas do erário, para que continue mais do mesmo: pets e traficantes. São só os velhos NIMBYS de sempre, um acrônimo perfeito para definir o que realmente move os interesses dos que têm se colocado contra mudanças que acabam com privilégios e democratizam espaços públicos: "Not in my backyard" (não no meu quintal).

Os NIMBYS do Leblon juram que o grande problema é que o novo Jardim de Alah vai acabar com as características originais do espaço, que será transformado num grande shopping center. Conheci o projeto vencedor do edital feito pela Prefeitura do Rio, assinado pelos arquitetos Miguel Pinto Guimarães e Sergio Conde Caldas, e não tenho dúvida de que a cidade só tem a ganhar.

Um dos pontos mais interessantes é que o novo desenho do espaço vai integrar a Cruzada São Sebastião, um conjunto habitacional de 975 unidades de classe média baixa. Isso explica um tanto da discórdia. Hoje, os 5.500 moradores da Cruzada vivem como num gueto pobre no meio de uma das regiões mais ricas do país. Com a remodelação da área, a comunidade será incorporada à paisagem e deixará o anonimato ao qual foi relegada. Pergunte se tem alguém ali contra a construção de anfiteatro, ginásio esportivo, creche e biblioteca.

A previsão é da implementação de um imenso parque verde, com garagens subterrâneas. Do lado mais perto da Lagoa Rodrigo de Freitas, terá restaurantes e mercados cobertos por jardins suspensos que, segundo o que eu vi, não deixara concreto aparente. Na parte mais antiga, onde o canal desemboca no mar, será restituído o jardim dos anos 1930, o que atenderá às exigências de tombamento municipal. Ou seja, se a preocupação é com a história, podem relaxar, mas sabemos que não é isso.

Quando o Shopping Leblon foi construído há quase 20 anos sofreu o mesmo tipo de resistência. Desconfiguração do bairro, aumento de trânsito, gentrificação da Cruzada. Hoje, ninguém reclama. Os moradores do conjunto habitacional continuam no mesmo lugar, o que não significa que agora não seja um novo desafio de resistência com a revitalização e valorização de uma região muito maior no entorno.

A briga entre os moradores do contra, os NIMBYS, e o consórcio vencedor tem tido idas e vindas na Justiça. Depois do sinal verde para começar as obras, juíza Regina Lucia Chuquer, da 6ª Vara de Fazenda Pública do Rio, acatou novo pedido do Ministério Público e deve realizar uma audiência dia 25 para que sejam explicadas as intervenções previstas. Só digo uma coisa: as cidades sempre perdem quando os NIMBYS ganham.

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