Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Ração seca para pet é veneno

Sim, há poucas e caras opções saudáveis. Mais caro são hemodiálise, transplante de rim, sofrimento e coração partido

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Meus dois gatos não comem mais ração seca (escrevo sobre isso porque alguns leitores se interessaram.) Depois que um deles recebeu o diagnóstico de infecção urinária e o outro estava tão gordinho que poderia se candidatar para interpretar o Garfield, o veterinário foi categórico: vocês querem que eles vivam sete, 15 ou 18 anos? Querem que eles tenham saúde ou morram em sofrimento, cheio doenças, com tratamentos e cirurgias? Já fizeram um plano de saúde bem caro para os dois?

Desde sempre ele chama esse tipo de alimento industrializado para pets de "crack". "Eles comem porque vicia, e passam a consumir apenas isso, um processado cheio de sódio, de carboidratos, vazio na quantidade de proteínas que um carnívoro como os gatos devem ingerir."

Isadora Brant/Folhapress
Gatos, na ONG (Organização Não Governamental) "Adote um Gatinho", em São Paulo (SP). A Ong arrecarda roupas, mantas, casinhas e brinquedos para cachorros e gatos carentes e tem cerca de 20 pontos de coleta em pet shops e clínicas veterinárias. - Isadora Brant/Folhapress

O fato é que Ziggy foi adotado aos dois meses e, quando chegou, devorava pedaços de carne, peixe e frango, servidos enquanto meu marido preparava nossas refeições. Aos poucos, à medida que a ração seca entrou em sua rotina, ele perdeu totalmente o interesse pelos alimentos crus. Mia, o mais velho, foi resgatado com uns dez dias de vida e rapidamente virou um guri de prédio, que só comia o que havia de melhor disponível para filhotinhos. Com muito custo, aprendeu a gostar de frango, que foi abandonado aos poucos pelo uso do "crack".

Desde sempre, a ração seca era a melhor, com avaliações cinco estrelas, com a embalagem cheia de fotos de alimentos naturais, suplementos, informações nutricionais. Nunca economizamos. Chegamos a trazer dois sacos gigantes dos Estados Unidos com aquela que prometia ser a mais natureba, nutritiva, livre de corantes, conservantes, sódio, aromatizantes, tudo aquilo que evitamos em nossa própria alimentação.

Eu sei, vai aparecer gente por aqui dizendo que meu dinheiro, dedicação e preocupação deveriam ser gastos com uma criança, que eu sou mal amada e egoísta, e isso tudo é o resultado de eu não ter tido filhos. Tá bom.

Mas voltando ao que interessa aos gateiros, que podem querer saber mais. Ver o Ziggy sofrer com a infecção, testemunhar o Mia se transformar na versão de um buda felino, com a barriga mais gostosa do universo, mas a disposição de um senhor idoso, nos fez levar o veterinário a sério e procurar mais informação. Eu não queria um gato com insuficiência renal e outro com diabetes e pressão alta. As consequências são uma lista interminável de sofrimento.

E, se havia alguma dúvida, ela foi atropelada pelo documentário "Pet Fooled", um trocadilho que pode ser traduzido como "pet enganado". O filme mostra o surgimento da ração seca e como a indústria faz para baratear uma comida que seria cara se levasse em consideração as reais necessidades dos animais. Além, claro, de depoimentos de ativistas e de tutores de bichos que teriam morrido por causa de doenças relacionadas à alimentação.

Há uma onda na internet com receitas de comida para gato feita essencialmente com proteína e suplementos, uma mistura crua que leva carne, fígado, ossos triturados de frango. Se você olhasse minha cozinha, juraria que queríamos criar gatos marombados. Meu marido tentou embarcar nessa e, por alguns meses, ele produzia as marmitas congeladas para os pequenos. Ziggy, que come até pedra, mas que tinha abandonado peixe, frango e até filé mignon, se rendeu à nova mistura. Com Mia foi mais difícil. O vício era tão grande que quase desistimos, ele se recusava a comer. Um dia, dois dias, ele ciscava no potinho, até que viu que não tinha mais escolha. A fome venceu a abstinência. Pelo menos era o que a gente pensava.

Durante os primeiros meses deixamos guardado um saco com a ração premium master blaster gold cara pra caceta que tinha sobrado. Um pacote grande que foi encontrado com um buraco enorme quando nosso gordo gostoso descobriu o esconderijo. Doei a quem precisava e não pode se dar ao luxo de escolher a comida que servirá ao seu pet.

Quatro anos depois, Ziggy nunca mais teve nenhuma infecção urinária e voltou a mendigar comida quando cozinhamos, porque seu olfato se reestabeleceu e ele sente cheiro de presas de longe. Mas a transformação maior foi com Mia. Ele perdeu alguns bons quilos, voltou a ser um gato ativo, brinca, corre, sobe nas prateleiras altas, conversa, está mais amoroso. Diferente do bicho prostrado que só comia e dormia o dia inteiro. Segundo o veterinário, era como se ele se alimentasse com McDonald’s todos os dias.

Para efeito de comparação, um saco de ração seca não precisa ser refrigerado por até dois meses, segundo o fabricante. Como um alimento pode durar tanto tempo dessa forma? Pense. Hoje, optamos por uma comida enlatada, rica em proteínas (carne ou frango ou peixe) e gorduras e com baixa taxa de carboidratos (legumes), que depois de aberta deve ser armazenada na geladeira e consumida em no máximo quatro dias. É alimento de verdade. Nossa meta ainda é voltar a produzir o que eles comem ou trocar por marcas de congelados, que prometem ser ainda mais saudáveis. Sim, há poucas e caras opções. Mais caro são hemodiálise, transplante de rim, sofrimento e coração partido.

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