Um dia eu vi a rainha. Foi cobrindo o esporte preferido dela, as corridas de cavalo, em Ascot. A história em si já era boa: em 2017, um jóquei do Maranhão, Silvestre de Souza, tornou-se bicampeão britânico na flat race –corrida similar ao turfe no Brasil.
Estávamos esperando o brasileiro receber o troféu, e, de repente, uma senhora apareceu, caminhando em nossa direção. Era Elizabeth 2ª, vestida de rosa, com chapéu combinando, sorrindo. O repórter cinematográfico Rogerio Romera foi rápido e registrou o momento para a reportagem que acabou no Jornal Nacional.
Tive o privilégio de vê-la uma segunda vez, em uma carruagem, entrando no Parlamento britânico. Mas alguns dos momentos de que mais gosto da rainha têm a ver com esporte. Em 1966, ela entregou a taça Jules Rimet para Bobby Moore quando a Inglaterra venceu a Copa do Mundo em casa. Dois anos depois, em viagem diplomática ao Brasil, viu Pelé jogar no Maracanã. Em 2012, "saltou" de paraquedas com James Bond na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Londres.
O príncipe William, herdeiro do trono, é presidente da Federação de Futebol da Inglaterra, FA, e o rosto da família real nesse quesito. É ele que vai a campeonatos de futebol como a Copa da Inglaterra. A rainha era conhecida pela neutralidade em quase todos os assuntos, e não se sabe se torcia por algum time (apesar de alguns torcedores do Arsenal e West Ham dizerem o contrário).
Não era vista em público fazendo atividade física, só andando a cavalo, sua paixão. Mas estava em todas quando o assunto era esporte. Recebia medalhistas olímpicos no Palácio de Buckingham, mandava mensagens parabenizando atletas ingleses ou britânicos que venciam competições, frequentava o torneio de tênis de Wimbledon, viu da tribuna a Alemanha ser campeã da Eurocopa na Inglaterra em 1996.
Depois de sua morte, no último dia 8, aos 96 anos de idade, a Premier League anunciou que adiaria a rodada do fim de semana. Em um comunicado, disse que a decisão era "para honrar sua vida extraordinária e contribuição para a nação, e por respeito". A liga que cuida da segunda à quarta divisão, o Campeonato Inglês feminino e o Escocês fizeram o mesmo.
Outros quatro jogos foram adiados nesta semana, incluindo Arsenal x PSV pela Liga Europa e Chelsea x Liverpool na Premier League, ambos em Londres. Desta vez, o motivo é a falta de policiamento, concentrado na operação de segurança do funeral. Nas partidas que serão disputadas, jogadores usarão braçadeiras pretas em sinal de luto.
A decisão de suspender a rodada foi polêmica. Confesso que no início fiquei dividida. "Festejar" poderia soar inapropriado. Mas, ao ouvir o outro lado, vi como dias de jogos são importantes para quem depende do futebol para sobreviver. Pequenos negócios, autônomos, de seguranças a vendedores de cachecóis, ficaram sem trabalho. Torcedores que não conseguiram reembolso de hotel e trem tiveram prejuízo.
Ouvi críticas de que a FA vive "fora da realidade, assim como a família real". Outros esportes, como críquete, foram disputados. O adiamento também complica o tumultuado calendário do futebol, que já vai parar em novembro e dezembro por causa da Copa do Mundo no Qatar. Quem foi contra a paralisação apontou que respeito à rainha seria homenageá-la em campo, no esporte que em 70 anos de reinado ela tantas vezes prestigiou.
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