Marina Izidro

É jornalista e vive em Londres. Cobriu seis Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University

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Elnaz Rekabi, de atleta desconhecida a heroína no Irã

Você não precisa pedir desculpas; seu governo é que falhou por não defendê-la

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Eu nunca tinha ouvido falar em Elnaz Rekabi até dias atrás, e imagino que a maior parte das pessoas, também não. Elnaz é iraniana e atleta de escalada esportiva, modalidade que estreou em Jogos Olímpicos em Tóquio, no ano passado. A inclusão foi justamente para atrair os jovens e mostrar um lado, digamos, mais moderno das Olimpíadas. Mas a parte triste dessa história é que Elnaz, bronze no mundial em 2021, não ganhou notoriedade nesta semana por seus feitos no esporte, mas, sim, porque simplesmente ousou competir como qualquer outra mulher.

Iranianas são obrigadas a usar o hijab –véu para cobrir a cabeça–, inclusive quando representam seu país em competições esportivas internacionais. Há uma semana, Elnaz disputou um campeonato na Coreia do Sul sem o adorno, usando uma faixa larga no cabelo.

Protestos acontecem no Irã desde que Mahsa Amini, 22 anos, foi morta há um mês –repito, morta– sob custódia da chamada "polícia da moralidade", porque supostamente deixou parte do cabelo à mostra. Por isso, o gesto da atleta no torneio em Seul foi visto como um ato de solidariedade ao movimento, apesar de ela não ter afirmado isso.

Elnaz Rekabi disputou um torneio de escalada sem hijab e passou a ser tratada como heroína em seu país - AFP Photo - 18.out.22/HO/International Federation of Sport Climbing

Elnaz foi recebida no aeroporto em Teerã por uma multidão e chamada de "heroína." Iranianas extremamente corajosas têm ido às ruas e queimado seus hijabs em público. A atleta se tornou um símbolo da resistência, e isso significa que sua vida está em risco, já que voltou para um lugar onde até adolescentes são espancadas até a morte por descumprir as tais regras de morais e bons costumes.

Elnaz deu entrevista a uma televisão estatal dizendo que não teve a intenção de competir sem o hijab e, na pressa, esqueceu-se de colocá-lo. Para alguém que cresceu usando o véu, não parece uma explicação convincente, mas necessária. Grupos de defesa de direitos humanos e jornalistas iranianos se manifestaram, afirmando que o país tem histórico de confissões forçadas, por medo ou coerção. "Até agora, graças a Deus, nada aconteceu", ela disse. Até agora.

Ela também pediu perdão aos iranianos pela confusão causada. Na verdade, Elnaz, seu país é que deveria ter essa atitude, por não lhe defender publicamente. Chega de mulheres pedindo desculpas e sendo levadas a acreditar que a culpa é sempre delas, e que apanharam, foram assediadas ou estupradas porque provocaram ou estavam com a roupa errada.

Suprimir os direitos das mulheres é uma forma de controle de governos autoritários e de extrema-direita, que temem a participação feminina na sociedade porque isso fortalece a democracia. Se em países como o Brasil temos o voto como ferramenta de mudança, em outras nações a pressão internacional é fundamental.

A Federação Internacional de Escalada Esportiva e o Comitê Olímpico Internacional afirmaram que estão "monitorando a situação." Mas o que realmente faz diferença é agir, condenar publicamente, defender que atletas tenham o direito de escolher o uniforme que vestem, não dar a países autoritários o direito de sediar megaeventos e usar o esporte como ferramenta de poder.

O presidente do Comitê Olímpico Iraniano disse que não vai punir a atleta, mas quem garante que ela não será ou já não foi intimidada? O mundo agora conhece Elnaz Rekabi. Provavelmente, nunca saberemos se ter competido sem o hijab foi proposital ou não. Mas ela e seu gesto não podem ser esquecidos.

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