De que você tem medo? Talvez lhe venha à cabeça: morrer, ficar doente, perder o emprego. Há quem, por lidar diariamente com riscos, consiga transformar o medo em algo positivo. Anos atrás, perguntei ao surfista de onda gigantes Eraldo Gueiros se ele tinha medo de encarar aquele muro de oceano em cima de uma prancha. Ele respondeu que sim e que isso era importante porque o deixava alerta. Ter consciência do perigo o fazia se preparar, para continuar vivo.
Atletas profissionais podem sentir ainda outro medo. Algo com que a maioria de nós não precisa lidar muito cedo: aposentadoria. Claro, há quem deixe o esporte convicto de que o fez na hora certa. Mesmo assim, a transição não é necessariamente suave. Deve ser imensamente frustrante parar, aos trinta e poucos anos, uma carreira para a qual você se dedicou intensamente desde criança, quando corpo e mente são jovens. Há inúmeros relatos de perda de identidade e propósito.
O esporte traz senso de pertencimento, rede de apoio, atletas são amados. Como lidar com esse corte de um dia para o outro? Fora a questão financeira, já que vínculos com clubes e patrocínios acabam. Abreviar a carreira por lesão pode ser ainda pior se ficar a sensação de algo inacabado.
Enquanto lidava com o problema crônico no quadril, Andy Murray admitiu que tinha "zero interesse" em fazer qualquer coisa longe do tênis. Recentemente, Serena Williams se disse dividida pela decisão de deixar as quadras por saber que ainda consegue competir em alto nível.
O tema é recorrente e voltou há poucos dias, quando o quarterback Tom Brady, 45, anunciou a aposentadoria um ano após ter deixado o esporte pela primeira vez. Voz embargada, disse que viveu um "sonho completo". Com sete títulos de Super Bowl, é considerado por muitos o maior jogador de futebol americano de todos os tempos, foi casado com Gisele Bündchen, já fechou contrato milionário para ser comentarista de TV. Por que ficar triste? Uma reportagem do The Atlantic intitulada "O desespero silencioso de Tom Brady" fala sobre o vazio que deixar o esporte pode lhe causar.
Pode ser tão devastador que vários, como Brady, recuam da decisão. Michael Phelps se aposentou depois dos Jogos de Londres, mas retornou às piscinas. No Rio, em 2016, se tornou o maior medalhista olímpico da história, com 28 pódios.
O ótimo documentário "O Peso do Ouro", narrado e produzido por Phelps, traz depoimentos de ex-atletas, inclusive do nadador, sobre saúde mental, dificuldades na carreira e o que ele chama de "depressão pós-Olimpíada". Se alguém se prepara a vida toda para apenas uma corrida, uma luta, como aguentar o que vem depois —quando câmeras de TV são desligadas, arenas fecham e o atleta de repente não é mais relevante? Volta o vazio e o medo da perda.
O documentário trata de aposentadoria e de como atletas não falam muito sobre as próprias fraquezas. Vai de encontro ao que sempre aprenderam: campeões não sentem pressão nem mostram insegurança ao adversário.
Debater transição de carreira é mais comum, mas há muito a evoluir. O que super-heróis do esporte e você têm em comum? Pode até não ser a conta bancária, títulos, ouros olímpicos, mas algo simples e profundo ao mesmo tempo. Como nós, eles e elas têm medos, tomam decisões, mudam de ideia. Como resume Phelps: "Somos humanos".
Não é justo subestimar a dor de quem deixa de fazer o que ama, não importa o tamanho do sucesso.
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