As imagens chegaram rapidamente à Europa. O vídeo de vândalos atirando rojões no gramado da Vila Belmiro, no Santos x Corinthians de quarta-feira (21), está em sites britânicos como The Guardian e BBC. Cenas que contrastam radicalmente com a última vez em que o clube havia sido notícia internacional –em homenagens a Pelé depois de sua morte.
Vexames desse tipo acontecem no Brasil há décadas, mas agora rodam o mundo instantaneamente, exportando o pior do nosso futebol e manchando a imagem tão admirada do lado de cá do oceano. Punição com 30 dias de portões fechados é muito pouco quando vidas são postas em risco. Não é protesto de torcedor, é ato criminoso. E ainda prejudica o time feminino, que jogará sem torcida.
Ficam muitas perguntas.
Como alguém consegue entrar com rojões no estádio? O que falta acontecer? Nada é trágico o bastante para provocar uma verdadeira mudança? Menos de 24 horas depois, vândalos (repito a palavra porque não dá para chamar de torcedor) jogaram objetos no campo em São Januário e houve violência no entorno do estádio após a derrota do Vasco para o Goiás. Não há frustração com resultados ou com gestão que justifique tanta ira. Enquanto isso, episódios seguem traumatizando os reais torcedores, crianças inclusive.
A Inglaterra, modelo quando se fala na experiência de público, passou por algo parecido, que sempre me vem à cabeça quando penso em exemplos com os quais o Brasil poderia aprender.
Nos anos 1980, o futebol inglês estava em declínio, com o auge do hooliganismo e falta de investimento.
Em 1985, 56 pessoas morreram em um incêndio no estádio do Bradford City. No estádio de Heysel, em Bruxelas (Bélgica), 39 perderam a vida em um confronto entre hooligans do Liverpool e a torcida da Juventus na final da competição que hoje é a Liga dos Campeões. Clubes ingleses foram excluídos de competições europeias por cinco anos, e o Liverpool, por seis.
A virada inglesa veio depois da tragédia de Hillsborough, a pior da história esportiva do país. Em 15 de abril de 1989, na semifinal da Copa da Inglaterra, contra o Nottingham Forest, 96 torcedores do Liverpool morreram esmagados por causa da superlotação do estádio do Sheffield Wednesday –entre eles, o primo de Steven Gerrard– e 766 ficaram feridos.
Estes episódios tinham em comum estádios ultrapassados e polícia preocupada em combater a violência em vez de garantir a segurança, reagindo e não prevenindo. Hillsborough foi a gota d’água. As "gerais" foram abolidas e em estádios da primeira e segunda divisões torcedores passaram a assistir aos jogos sentados. Houve mudança cultural e a criação de novos modelos de negócio e de uma base para a futura Premier League.
Hoje, é fácil entrar em um estádio, você chega a seu assento em cinco minutos, tem visão completa do campo e volta para casa sem riscos. O torcedor é o cliente e o espetáculo é para ele, não para os baderneiros. A atmosfera pode não ser igual e os ingressos são mais caros, mas a maioria concorda que, se este é o preço a pagar pela segurança de todos, vale a pena.
Cansa ficar só no debate de que futebol é reflexo da sociedade, até porque todas têm lado bom e ruim. A diferença está em quem autoridades e gestores privilegiam no evento esportivo. Depois de anos de educação e punição, a transformação na Inglaterra é clara. O futebol inglês se curou de sua doença crônica.
E o Brasil, qual imagem quer continuar passando para o mundo? E, mais importante, para seu próprio torcedor?
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