Marina Izidro

É jornalista e vive em Londres. Cobriu seis Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University

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Vexame na Vila Belmiro exporta o pior do nosso futebol

Tragédia de Hillsborough mudou o futebol inglês; no Brasil, o que ainda falta acontecer?

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As imagens chegaram rapidamente à Europa. O vídeo de vândalos atirando rojões no gramado da Vila Belmiro, no Santos x Corinthians de quarta-feira (21), está em sites britânicos como The Guardian e BBC. Cenas que contrastam radicalmente com a última vez em que o clube havia sido notícia internacional –em homenagens a Pelé depois de sua morte.

Imagem do video no site do britânico THe Guardian sobre as bombas na Vila Belmiro
Imagem do video no site do britânico The Guardian sobre as bombas na Vila Belmiro - Reprodução

Vexames desse tipo acontecem no Brasil há décadas, mas agora rodam o mundo instantaneamente, exportando o pior do nosso futebol e manchando a imagem tão admirada do lado de cá do oceano. Punição com 30 dias de portões fechados é muito pouco quando vidas são postas em risco. Não é protesto de torcedor, é ato criminoso. E ainda prejudica o time feminino, que jogará sem torcida.

Jogadoras do Santos na partida contra o Red Bull Bragantino, pelo Brasileiro feminino, em 19 de junho de 2022
Jogadoras do Santos na partida contra o Red Bull Bragantino pelo Campeonato Brasileiro Feminino de 2022 - Santos FC - 19.jun.22

Ficam muitas perguntas.

Como alguém consegue entrar com rojões no estádio? O que falta acontecer? Nada é trágico o bastante para provocar uma verdadeira mudança? Menos de 24 horas depois, vândalos (repito a palavra porque não dá para chamar de torcedor) jogaram objetos no campo em São Januário e houve violência no entorno do estádio após a derrota do Vasco para o Goiás. Não há frustração com resultados ou com gestão que justifique tanta ira. Enquanto isso, episódios seguem traumatizando os reais torcedores, crianças inclusive.

A Inglaterra, modelo quando se fala na experiência de público, passou por algo parecido, que sempre me vem à cabeça quando penso em exemplos com os quais o Brasil poderia aprender.

Nos anos 1980, o futebol inglês estava em declínio, com o auge do hooliganismo e falta de investimento.

Em 1985, 56 pessoas morreram em um incêndio no estádio do Bradford City. No estádio de Heysel, em Bruxelas (Bélgica), 39 perderam a vida em um confronto entre hooligans do Liverpool e a torcida da Juventus na final da competição que hoje é a Liga dos Campeões. Clubes ingleses foram excluídos de competições europeias por cinco anos, e o Liverpool, por seis.

Policiais carregam ferido no confronto entre torcedores do Liverpool e da Juventus em 1985, no estádio Heysel, em Bruxelas, Bélgica - 29.mai.1985/Reuters

A virada inglesa veio depois da tragédia de Hillsborough, a pior da história esportiva do país. Em 15 de abril de 1989, na semifinal da Copa da Inglaterra, contra o Nottingham Forest, 96 torcedores do Liverpool morreram esmagados por causa da superlotação do estádio do Sheffield Wednesday –entre eles, o primo de Steven Gerrard– e 766 ficaram feridos.

Estes episódios tinham em comum estádios ultrapassados e polícia preocupada em combater a violência em vez de garantir a segurança, reagindo e não prevenindo. Hillsborough foi a gota d’água. As "gerais" foram abolidas e em estádios da primeira e segunda divisões torcedores passaram a assistir aos jogos sentados. Houve mudança cultural e a criação de novos modelos de negócio e de uma base para a futura Premier League.

Torcedor do Everton presta homenagem às vítimas da 'tragédia de Hillsborough' no memorial feito no estádio - Paul Ellis - 15.abr.15/AFP

Hoje, é fácil entrar em um estádio, você chega a seu assento em cinco minutos, tem visão completa do campo e volta para casa sem riscos. O torcedor é o cliente e o espetáculo é para ele, não para os baderneiros. A atmosfera pode não ser igual e os ingressos são mais caros, mas a maioria concorda que, se este é o preço a pagar pela segurança de todos, vale a pena.

Cansa ficar só no debate de que futebol é reflexo da sociedade, até porque todas têm lado bom e ruim. A diferença está em quem autoridades e gestores privilegiam no evento esportivo. Depois de anos de educação e punição, a transformação na Inglaterra é clara. O futebol inglês se curou de sua doença crônica.

E o Brasil, qual imagem quer continuar passando para o mundo? E, mais importante, para seu próprio torcedor?

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