Inglaterra contra Nigéria, oitavas de final da Copa do Mundo feminina, 42 minutos do 2º tempo, zero a zero. A craque da seleção inglesa Lauren James e Michelle Alozie se chocam. Ao se levantar, James dá um pisão nas costas da nigeriana. O cartão amarelo vira vermelho depois que o lance é revisto pelo árbitro de vídeo. Não foi sem querer, a atacante não perdeu o equilíbrio. Ela estava frustrada àquela altura do jogo, mas foi um gesto consciente.
Depois da partida, James pediu desculpas a Michelle e aos torcedores e disse que aprendeu uma lição. Mas a enxurrada de críticas já havia começado. De xingamentos na internet a comparações com David Beckham, expulso na Copa do Mundo de 1998 depois que revidou uma falta que sofreu de Diego Simeone. Se a seleção masculina da Inglaterra foi eliminada pelos argentinos nas oitavas de final, desta vez o final foi diferente: as campeãs europeias, comandadas por Sarina Wiegman, venceram a Nigéria nos pênaltis, estão nas quartas de final –enfrentam a Colômbia neste sábado (12) sem James, suspensa– e seguem entre as favoritas ao título do Mundial disputado na Austrália e Nova Zelândia.
A repercussão com o lance de James foi forte e levou a jornalista Suzanne Wrack, que cobre o torneio para o jornal britânico The Guardian, a escrever um artigo em que propõe uma reflexão: qual nível de crítica é o apropriado no futebol feminino? Wrack levanta o debate sobre "onde está a linha entre análise, abuso e bullying", e o texto me fez lembrar de reações quando a seleção brasileira foi eliminada na primeira fase, depois do empate com a Jamaica.
James despontou cedo para a fama. Descoberta por olheiros do Arsenal aos 13 anos de idade, também passou por Manchester United e, hoje, aos 21 anos, está no Chelsea. Já marcou três gols na Copa do Mundo.
Como no caso das críticas ao Brasil, sempre vai aparecer alguém para dizer: "ué, mas quer ficar famosa, ganhar títulos, e só receber elogios?". Claro que não se trata disso. E é importante lembrar que James, como muitas outras jogadoras, também sofre abusos racistas e xingamentos sexistas. E comparações diretas entre o futebol masculino e o feminino são injustas, pois ignoram o nível totalmente diferente de investimentos que cada um recebeu nas últimas décadas.
Esportivamente, é horrível a eliminação precoce da seleção brasileira em um momento em que há mais atenção da mídia e quando se tenta difundir a modalidade no país. Mas vejo críticas —construtivas— como sinal de avanço. A equipe chegou a um ponto em que se espera mais, há maior responsabilidade e é natural que a imprensa especializada e o torcedor façam cobranças. E percebo que se abre uma grande oportunidade de promover um debate em alto nível e com profundidade sobre o futuro do futebol feminino no Brasil. Não apenas sobre quem deve ser a próxima treinadora ou treinador, ou por que o gol contra a Jamaica não saiu. Mas também sobre como ampliar a prática entre meninas para que elas aprendam a gostar de futebol e desenvolvam os fundamentos mais cedo, ou como dar mais atenção às categorias de base e ao campeonato nacional.
E é sempre bom lembrar a frase da jornalista do jornal The Guardian: é preciso achar o limite entre análise e abuso. Não fiquemos no debate raso. Na Inglaterra de James, anos de investimento e persistência valeram a pena.
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