Usar as palavras "Inglaterra", "final" e "Copa do Mundo" na mesma frase ainda deixa muito britânico boquiaberto. Isso aconteceu pela única e última vez em 1966. Naquele ano, Maria Esther Bueno era a tenista número um do mundo, John Lennon disse que os Beatles eram mais famosos que Jesus Cristo e o homem nem tinha pisado na Lua. A seleção masculina de futebol conquistou o título mundial em casa.
Agora pode ser a vez delas, na Copa do Mundo feminina, disputada na Austrália e na Nova Zelândia.
A seleção da Espanha também está na final pela primeira vez. Haverá uma campeã inédita. Dois países que, poucos anos atrás, viviam uma realidade bem diferente.
O futebol feminino espanhol passou por uma transformação dramática a partir de 2015, quando a primeira participação em uma Copa do Mundo estimulou mudanças. Clubes se uniram para acelerar a profissionalização da modalidade, chegaram patrocinadores, investimentos, transmissão de jogos na TV.
Foi também em 2015 que a equipe feminina do Barcelona se tornou profissional; o clube melhorou a estrutura e investiu na base. Os resultados vieram. Conquistou oito títulos espanhóis, duas vezes a Liga dos Campeões e o amor dos torcedores. No ano passado, 91.648 pessoas assistiram à semifinal da Champions entre Barcelona e Wolfsburg no Camp Nou, recorde mundial no futebol feminino. A capitã do time, Alexia Putellas, foi eleita duas vezes a melhor jogadora do planeta. A companheira de Barcelona e seleção, Aitana Bonmatí, é candidata a herdar o posto.
A Espanha venceu os mundiais sub-17 e sub-20 em 2022, mas faltavam resultados expressivos na categoria adulta. Ainda chegou à Copa sob desconfianças depois que 15 jogadoras se recusaram a atuar pela seleção, em protesto contra o técnico Jorge Vilda e às condições de trabalho oferecidas pela Federação Espanhola de Futebol. Três recuaram e o time mostrou ter talento para suprir a falta das que decidiram pelo boicote.
A luta das atletas ao longo dos anos gerou melhorias na preparação. Pela primeira vez, a seleção tem nutricionista e psicólogo, e um acordo feito com a federação permitiu que atletas que são mães pudessem passar tempo com os filhos durante o torneio.
Na Inglaterra, a virada foi em 2012, quando a Grã-Bretanha jogou contra o Brasil diante de 70 mil pessoas em Wembley nos Jogos Olímpicos de Londres. O potencial ficou claro. A Women’s Super League, novo formato da primeira divisão inglesa, estava começando.
Como no caso espanhol, vieram patrocínio, profissionalização de atletas e o surgimento da cultura de assistir à modalidade; a transmissão na TV aumentou. A treinadora holandesa Sarina Wiegman foi contratada, tendo no currículo um título europeu e uma final de Copa do Mundo no comando de seu país. Repetiu a dose com a seleção inglesa, conquistando a Euro no ano passado com recorde de público na final contra a Alemanha –87 mil espectadores em Wembley. Mais de 17 milhões de pessoas, um quarto da população do Reino Unido, assistiram pela TV.
Neste ano, no mesmo estádio, mais de 83 mil pessoas viram a Inglaterra vencer a Finalíssima, disputa entre a campeã europeia e a da Copa América, o Brasil. Wiegman tem só uma derrota em 38 partidas no comando das "leoas" inglesas.
Independentemente de quem ganhar neste domingo (20), o título mundial estará em boas mãos. É a vitória do investimento e da persistência no futebol feminino.
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