Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Mario Sergio Conti

À procura do tempo comprado

Capitalismo tenta se erguer do lodaçal da crise puxando os próprios cabelos

Ilustra Mario Sergio Conti
Bruna Barros

Até que enfim Wolfgang Streeck chegou ao Brasil. Veio na forma de um livro que saiu do âmbito dos estudos acadêmicos e ganhou milhares de leitores na Europa: "Tempo Comprado - A Crise Adiada do Capitalismo Democrático" (ed. Boitempo, 240 págs.).

Streeck, um sociólogo de 71 anos especializado em crises econômicas, deu aulas nos Estados Unidos e é diretor emérito do Instituto Max Planck, na Alemanha, onde nasceu.

Seu livro é um estudo bem embasado e criativo da crise econômica de 2008.

Streeck a vê como um processo que se inicia no fim dos anos 1970. Foi quando começou a entrar em colapso o período de progresso que se iniciara com a vitória sobre o nazifacismo.

Nos países ricos, a organização social arquitetada no pós-guerra buscava fazer frente à imprevisibilidade dos mercados e legitimar o capitalismo democrático —que serviria de dique duplo para regressões fascistas e tentações socialistas. Foram os 30 anos de ouro da social-democracia e do Estado de bem-estar social.

A intervenção na economia, o planejamento estatal para garantir o desenvolvimento, a redistribuição de bens e serviços e a proteção social comportavam uma utopia, reformista e de longo prazo. Controlados, lucros e juros decresceriam suavemente —o capitalismo se dissolveria.

O sistema não era, como se diz hoje, autossustentável. O incremento tecnológico tanto aumentou a produtividade como fez minguar o papel da maior força de trabalho, o próprio homem. A taxa de lucro diminuiu, forçando, de um lado, a monopolização e, de outro, as disputas intercapitalistas.

Streeck historia esse processo com dados econômicos oficiais. Constata que ele teve três consequências. Os índices de crescimento caíram nos países capitalistas maduros, a desigualdade voltou a níveis pré-Primeira Grande Guerra, e a dívida, pública e privada, explodiu. É essa a crise.

Ela foi enfrentada com a emissão de mais dinheiro. Ou seja, pela inflação; pela concessão de crédito sem lastros concretos; pelo desbalanceamento dos orçamentos públicos. O tumulto de 2008 foi, pois, triplo: conjugou crise bancária (inadimplência), crise fiscal (Estados falimentares) e crise da economia real (estagnação e desemprego).

A concepção de classes sociais de Streeck é sumária. Para ele, as duas principais são formadas pelos que dependem da remuneração de seu trabalho e pelos que vivem de rendas do capital. Uma seria o Povo do Estado (Staatsvolk). A outra, o Povo do Mercado (Marktvolk).

O primeiro povo é formado por cidadãos nacionais que precisam de serviços públicos e votam pelos seus direitos. O segundo povo é de investidores internacionais que têm créditos a receber e estão mais interessados em taxas de juros do que em eleições.

É óbvio quem vem vencendo a luta entre os dois povos-classes. O arsenal dos dominantes é vasto: privatizações; preservação dos bancos que "eram demasiado grandes para quebrar"; corte de aposentadorias e aumento os anos de trabalho; congelamento dos orçamentos estatais; entrega da gestão econômica à grande finança (oi, Meirelles).

Resta, porém, outra evidência grandiloquente: nada disso está dando certo. Os cortes na carne do Povo do Estado têm impacto negativo no desenvolvimento econômico. "A tarefa de conciliar a austeridade com o crescimento assemelha-se à quadradura do círculo; ninguém sabe realmente como resolvê-la", afirma Streeck.

O Povo do Mercado capturou os Estados e repete a cantilena da austeridade, da facilitação do crédito, da emissão de dinheiro fictício para cobrir despesas reais. Já o Povo do Estado elege partidos que dizem representá-lo. Uma vez no poder, porém, eles rezam conforme o Mercado quer.

Ambos os lados tentam ganhar tempo. Querem preservar um sistema crescentemente irracional, que desorganiza a vida de milhões, mas do qual dependem. Agem como o Barão de Münchhausen, que tentava sair do solo puxando os próprios cabelos.

Está aí a raiz do decantado descrédito da política. O que fazer? "Tempo Comprado" conclui com audácia: "A alternativa a um capitalismo sem democracia seria uma democracia sem capitalismo".

Mas não se espere de Wolfgang Streeck loas à aurora vermelha que virá inelutavelmente. Como não há um sujeito histórico capaz de liderar a transformação, as disfuncionalidades não têm desenlace à vista. A catástrofe, que a gentil leitora pode contemplar ao abrir a janela, prosseguirá.

Pessimismo? Não, realismo. Melhor assim. É na realidade que vivemos, e ela pode ser mudada.

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