Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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No aguardo de Lula, Bolsonaro e barbaridades depois da eleição

É quimera achar que a espera acabará no domingo, quando se souber quem foi eleito

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Quanto mais intensa a espera, mais o tempo demora a passar. É com angústia que se aguarda o resultado de um exame; o veredito de uma entrevista de emprego; a chegada da primeira namorada; Godot.

Contam-se os dias, depois as horas e, na reta final, olha-se o relógio minuto a minuto. É aflitivo ignorar se o que se aguarda é real ou miragem. A espera exaspera, agasta, prostra.

O Brasil vive uma espera coletiva nunca vista. Não é a de finais de Copa do Mundo. Nessas, venha a vitória ou a derrota, a situação real não muda. Agora não é jogo, mas vida. É quimera achar que a espera acabará no domingo, quando se souber quem foi eleito.

A ilustração mostra duas janelas. A da esquerda com uma mulher que olha no celular e está debruçada sobre uma toalha vermelha escrito "meu voto é secreto". Na janela da direita está pendurada uma bandeira do Brasil e ao lado está um homem debruçado com fones de ouvido e um celular na mão.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mário Sérgio Conti - Bruna Barros

O primeiro turno escancarou que vivemos numa nação dividida. Cisões eleitorais são corriqueiras nas democracias. Mas jamais houve aqui uma altercação tão radical, no modo de ser e pensar, como na disputa entre Lula e Bolsonaro.

São dois países opostos dentro de um só. Engalfinhados, um considera o outro bárbaro, e vice-versa. Recorde-se a sábia sentença de Montaigne: "Cada um chama de barbárie o que não é de seu costume".

A se crer nas enquetes eleitorais —que não preveem a abstenção nem ondas de última hora, às vezes extraordinárias— Lula tem mais chance. Se vencer, o que farão os bárbaros de verde e amarelo? Será preciso iniciar outra espera.

Bolsonaro alardeia um sofisma: acato o resultado de eleições, desde que eu ganhe. É de supor, portanto, que não aceitará a derrota. Fará algo. Se, como Aécio, ficar no esperneio dos maus perdedores, é do jogo —ainda que o gesto deixe sequelas e chagas. Mas como é bárbaro, pode fomentar a zorra.

É duvidoso que parlamentares e governadores recém-eleitos o sigam numa cavalgada cataclísmica. A ideologia do grosso deles é o dinheiro. Que é outorgado, na forma de cargos, benesses, verbas e obras, por quem detém o poder. O centrão, uma federação de gangues, ficará a pé se embarcar num ensaio de golpe, ele pifar e Lula tomar posse.

É vão esperar que Bolsonaro seja racional, realista. Bárbaro, barbariza. No seu mando, cometeu toda sorte de atrocidades. Às claras, na cara dura. Acoelhadas, as instituições engoliram todos os sapos. Pais da pátria fizeram cara de paisagem e assinaram notinhas de protesto.

Nesses quatro anos, diminuiu o setor da direita que lhe dá sustentação. Mas cresceu o número de hunos que o seguem, cegamente. Bolsonaro é um Átila da extrema direita com audiência de massa. Mobiliza multidões. Chefia uma guarda pretoriana iracunda e armada.

A galera bolsonarista bem que pode engatilhar uma crise. Imagine-se que o seu führer vocifere que a vitória de Lula foi um complô das elites, uma falcatrua. Que conclame sua gente a cercá-lo no palácio.

Milhares montarão barracas e caminhões o cercarão. O movimento tem meios de repicar o fuzuê pelo país. Na avenida Paulista e Copacabana, por exemplo. Haverá uma nova espera.

Quem tirará os vândalos do Planalto? A Polícia Federal, que está sob as ordens do ministro da Justiça, bolsonarista? A PM do governador do Distrito Federal, bolsonarista? As Forças Armadas, bolsonaristas?

Como na invasão do Capitólio, uma quizumba desse quilate dificilmente prospera. Porque as demandas da corja insurgente seriam anedóticas: rachadinhas para o lumpesinato; fuzilamento de FHC; teocracia evangélica; Michelle coroada rainha e Roberto Jefferson, visconde.

Um fator decisivo para o seu fiasco é a cena internacional. Estados Unidos, Europa, Rússia e China não deram carta branca a Nero. Temem que continue a gargalhar enquanto incendeia a Amazônia.

O flagelo climático é cotidiano, planetário. Dissipá-lo implica mudanças radicais na produção da vida. Novamente, será preciso esperar uma solução, sem saber se ela de fato existe. Mas se sabe que Bolsonaro lidera a motociata do apocalipse.

Assim, o seu votinho no domingo afetará o destino de tudo e todos. O mesmo vale para a sua reação, caso Bolsonaro perca e não aceite a derrota. Há que se agir. Quem o diz é o mestre da angústia da espera, Beckett. É o que Vladimir fala a Estragon em "Esperando Godot":

"Neste lugar, neste momento, a humanidade somos nós, queiramos ou não. Aproveitemos enquanto é tempo. Representemos dignamente, uma única vez que seja, a espécie à qual estamos desgraçadamente atados pelo destino cruel... O que estamos fazendo aqui, essa é a questão. Foi-nos dada uma oportunidade de descobrir. Sim, dentro desta imensa confusão, apenas uma coisa é clara: estamos esperando que Godot venha".

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