Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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O massacre dos inocentes

Xingatório e bazófias não ajudam a estancar a sangria em Gaza

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O francês Edgar Nahoun era um adolescente de família judaica quando, na Guerra Civil Espanhola, integrou uma organização antifascista que dava ajuda material aos republicanos. Com 20 anos, engajou-se na resistência armada à ocupação da França pelos nazistas.

Organizador de atentados e judeu, seria executado se fosse pego. Adotou então o pseudônimo que continuou a usar quando a guerra acabou: Edgar Morin. É o nome que está na capa das dezenas de livros de sociologia que publicou.

Morin tem 102 anos. Foi com clareza e gravidade que falou de Gaza a uma plateia emudecida, O vídeo, impressionante, está na internet. Eis o que disse.

"Estou chocado e indignado pelo fato de que aqueles que representam os descendentes de um povo perseguido durante séculos, por razões religiosas ou raciais, que os descendentes desse povo, os que hoje tomam decisões do Estado de Israel, possam não só colonizar um povo inteiro mas expulsá-lo de suas terras, tentar expulsá-lo para sempre."

O 7 de Outubro, disse, foi um "massacre". Desde então, o governo israelense vem promovendo uma "carnificina" que atinge "civis, mulheres e crianças". Lamentou "o silêncio dos Estados Unidos, protetor de Israel, o silêncio dos Estados árabes, o silêncio dos Estados europeus, que se pretendem defensores da cultura, da humanidade e dos direitos humanos".

Morin preferiu substantivos a adjetivos. Não atribuiu intenções, vituperou ou foi divisivo. Tampouco escudou-se na condição de judeu e resistente. A certa altura, usou a expressão "ver as coisas de frente".

Duas mãos coordenam a manivela de uma prensa manual antiga. Na parte inferior da prensa estão amontoados rostos e pessoas. Dr onde flui a cor vermelha.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sergio Conti de 23 de fevereiro de 2024 - Bruna Barros/Folhapress

Foi isso o que Lula não fez ao comparar a guerra de Israel contra os palestinos à de Hitler contra os judeus. A comparação é imprópria porque o führer nazista matou mais de 70 milhões de pessoas.

Entre outros, foram 25 milhões de soviéticos, 15 milhões de chineses, 410 mil norte-americanos, 2.000 brasileiros e 6 milhões de judeus —estes assassinados numa ação industrial de extermínio. Política, moral, fornos crematórios e o número de vítimas fizeram do nazismo o ápice da barbárie.

O que Lula fez foi xingar. Biden também xingou na quarta-feira, ao dizer que Putin é "um FDP maluco". Como quem xinga é xingado, o Kremlin retrucou que Biden é um "caubói de Hollywood". Xingatório é uma coisa; política, outra. Ou melhor: a política deveria ter consequências.

Se Netanyahu é um Hitler, a consequência é enfrentá-lo logo para evitar que o mal se alastre. É urgente fazer como Morin, empunhar armas contra o nazismo. Tirar o pijaminha do general Augusto Heleno, botar-lhe uma fardinha e mandá-lo invadir Tel Aviv com sua garrucha. Aguardemos.

A guerra em Gaza não se presta a bazófias. É briga de cachorro grande, de países ricos, com apoio popular e armas aniquiladoras. É palpável o risco de um incêndio que engolfaria o Oriente Médio. Um ministro israelense chegou a sugerir um ataque nuclear a Gaza.

O horror dá náuseas. São milhões os expulsos de suas casas, famélicos que disputam em andrajos um naco de pão. Diuturnas, as imagens do abuso reiteram a intimação do verso de Neruda na Guerra Civil Espanhola: "Vinde ver o sangue pelas ruas".

A injustiça do assalto a Gaza leva muitos a se perguntarem se dá para, num canto do planeta, ajudar a estancar a sangria. Sozinho ninguém detém mísseis. Mas a opinião pública mundial pode muito.

Quem agiu com contundência foi um país mais fraco que o Brasil, a África do Sul. Ela encaminhou um documento de 80 páginas ao Tribunal de Haia. Sustenta que Israel está passando do massacre ao genocídio —acusação feita com base em fatos.

Com a palavra, ministros de Israel: no futuro "haverá 100 mil ou 200 mil árabes em Gaza, e não 2 milhões"; "vamos lutar até quebrar-lhes a espinha dorsal"; "a destruição do norte de Gaza é um prazer para os olhos"; os palestinos "são uns animais". Não poderiam ser mais claros.

A peça sul-africana ajuda a sepultar dois mitos. Reza o primeiro que Israel é uma democracia. Não é. Há 475 mil colonos israelenses na Cisjordânia e no Golan ao arrepio de leis internacionais. Os palestinos não têm ali liberdade de expressão, acesso à Justiça, direito de ir e vir. É apartheid e pau neles.

O segundo mito diz que a guerra é iniciativa de Netanyahu e da extrema direita. Em termos. A guerra é conduzida por um gabinete de união nacional, integrado pela oposição.

Para acabar com o tormento em Gaza será preciso vencer o silêncio de que falou Edgar Morin. E calar a barulheira de xingatórios e bazófias.

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